sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Quem é Deus?



No carro, com minhas duas filhas, uma de seis e outra de dois anos de idade, estávamos falando em Deus ou, em outros termos, em "Papai do Céu". No meio do assunto, a mais velha perguntou:

- Mamãe, quem é Deus?

Fiquei assustada com a pergunta, me questionando se todos os meus ensinamentos de fé e oração não tinham valido de nada até o momento, ao que exclamei:

- COMO ASSIM, MINHA FILHA? DEUS!!! PAPAI DO CÉU, ORA!!

Aí ela explicou melhor a pergunta:

- Não, mamãe, lógico que eu sei quem é Deus! É que eu quero saber por que O chamam de PAPAI do Céu... Não podia ser MAMÃE  do Céu? Quem foi que disse que Ele é HOMEM?

[Segundos de espanto, encantamento e confusão da minha parte.]

- Bem, filha, tem quem acredite que Ele é mulher. A mamãe, na verdade, não sabe. Acho que a gente vai descobrir quando morrer, né?

- É... Também acho. Vamos ver quando a gente chegar no céu! Porque, sabe, Deus tem super-poderes!! Ele é o único no mundo todo que tem super-poderes!

Nesse momento, a minha filha mais novinha interrompeu o assunto e complementou, com toda convicção:

- Nããããããooooo... É Deus e a mamãe!!

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2019

Fidelidade




Todos os dias, assim que ela acorda, a primeira coisa que faz após espreguiçar-se é colocar a aliança no dedo anelar da mão esquerda. Beija o marido, que ainda dorme ao seu lado e inicia seu dia. Acorda as crianças para irem à escola. Não importa o quanto cresçam, ela continua pensando nos dois como crianças. Prepara café. Toma banho e se arruma cuidadosamente diante do espelho – Sempre foi vaidosa. Prepara o lanche das crianças – um muffin de maçã para a filha, chips de batata doce para o filho, que agora resolveu ser fit. Serve a xícara de café e toma enquanto termina de se maquiar. Instrui o cardápio que deve ser preparado ao longo do dia pela funcionária da casa. Leva outra xícara de café para o marido, que começa a despertar, dando-lhe o beijo de bom-dia.

Leva as crianças para a escola. Avisa a professora da filha que o marido irá buscá-la. A jovem educadora sorri. Ela suspeita que a professora gosta da ideia de poder ver seu marido mais tarde, já que sempre busca encontrar assuntos diferentes e completamente irrelevantes quando seu lindo esposo pega as crianças na escola. Parte rumo a um dia cheio no trabalho. Melhor tomar outro café assim que chegar, antes da primeira reunião. Entre um compromisso e outro, liga para o salão de beleza – melhor já agendar o horário de cabeleireiro na sexta, antes do jantar com o marido em comemoração aos 16 anos de casados. Aproveita seu horário de almoço para ir à academia e dar continuidade ao seu “projeto verão”. Banho. Visita três clientes agendadas para a tarde. No caminho de volta, passa no supermercado – é preciso comprar mais frutas e verduras para a casa.

Estaciona na garagem de casa quase à hora do jantar. Serve o jantar enquanto instrui os filhos a guardarem as compras. O marido chega em seguida. Ele gosta de jantar antes de ir à academia. Ela admira sua energia para se exercitar diariamente, inclusive aos finais de semana. Talvez por isso a sensação que ela tem de o tempo só fazer bem a ele. Ela organiza os pratos na lavadora e supervisiona a tarefa da filha e a pesquisa em que o filho está focado. Pergunta-lhes sobre o dia, as aulas e os amigos. É incrível como a filha sempre tem muitas novidades para contar e o filho, ao contrário, praticamente não se manifesta. Como é frustrante saber sobre o filho através do olhar dos outros: profesores, mães de amigos, a irmã. Ele é tão lindo e tão calado quanto o pai.

Filhos alimentado, de banho tomado e prontos para a a hora de dormir. Ela sabe que o filho vai para o quarto, mas ainda faz muito em seu celular antes de realmente dormir. Melhor não interferir e preparar um sanduíche para o marido comer na volta da academia. Toma banho e aplica cuidadosamente o ácido recomendado pela dermatologista. Precisa marcar depilação. Espia as redes sociais e retoma a leitura do último livro recomendado pelo chefe. Quando o marido chega no quarto, de banho tomado, decidem assistir a um filme antigo que estava passando na TV. O perfume e o calor dele são muito excitantes. Ela sente-se privilegiada com a vida que tem, por ainda ser objeto de desejo daquele homem e ele, o dela. O sexo é previsível e bom. Conhecem as posições de prazer um do outro. Amam-se, enfim. Nunca, em tantos anos, ela teve outro homem em seus braços. Ela sabe que ele não lhe foi fiel todo esse tempo. Ela foi. Ela não teria coragem de trair o marido.

Acerta o despertador no celular para o dia seguinte. Apaga as luzes. Lentamente, como um ritual, retira do seu dedo anelar da mão esquerda a aliança de casamento. Permite-se a liberdade de dormir sem esse símbolo de fidelidade ao marido. Em seus sonhos, ela não precisa ser uma mulher casada.