Encaixotei os livros, os CDs, os DVDs. Mas não houve espaço para as leituras, as músicas e as emoções.
Envolvi cuidadosamente os pratos, copos e xícaras em jornal. Mas nem as informações do periódico são capazes de reter os bons momentos de jantares e almoços com os amigos.
Cobri com grandes panos as cadeiras, a mesa, o sofá. Mas escaparam-me as confidências trocadas na sala, as cartas escritas sobre a mesa.
Dobrei e guardei em sacos todos os jogos de lençol, as toalhas de banho e rosto, os tapetes do banheiro. Mas não coube o amor feito sobre a cama, a maresia das praias, as gotas de todos os banhos de alma.
Desconectei todos os fios e desliguei o computador. Guardei a impressora, as folhas, as canetas. Mas ficaram espalhadas pela peça as longas noites de trabalho, os textos lidos e escritos, as conversas reais e virtuais.
Dobrei cada peça de roupa e as coloquei todas em malas: jeans, vestidos, pijamas. Blusas, meias e saias. Calcinhas, shorts e sapatos. Mas ficaram soltos os bons e maus dias em que as vesti. O primeiro dia de trabalho, a visita do amado, a discussão com a mãe, o aniversário.
Guardei, fechei, lacrei e etiquetei tudo o que estava no apartamento, mas sei de tudo o que não me acompanhará no caminhão de mudanças. Sei das coisas que só eu posso carregar para onde eu for. Sei o quanto deixo para trás e que não voltarei para buscar. Sei que são apenas paredes (e quanta vida elas têm para mim!).
Fecho a porta. Tranco o lugar vazio que ainda me é tão precioso. Sigo em outra direção. E sei que o que importa na vida está fora das caixas.