quinta-feira, 31 de julho de 2008

A vida não cabe em caixas



Encaixotei os livros, os CDs, os DVDs. Mas não houve espaço para as leituras, as músicas e as emoções.


Envolvi cuidadosamente os pratos, copos e xícaras em jornal. Mas nem as informações do periódico são capazes de reter os bons momentos de jantares e almoços com os amigos.


Cobri com grandes panos as cadeiras, a mesa, o sofá. Mas escaparam-me as confidências trocadas na sala, as cartas escritas sobre a mesa.


Dobrei e guardei em sacos todos os jogos de lençol, as toalhas de banho e rosto, os tapetes do banheiro. Mas não coube o amor feito sobre a cama, a maresia das praias, as gotas de todos os banhos de alma.


Desconectei todos os fios e desliguei o computador. Guardei a impressora, as folhas, as canetas. Mas ficaram espalhadas pela peça as longas noites de trabalho, os textos lidos e escritos, as conversas reais e virtuais.


Dobrei cada peça de roupa e as coloquei todas em malas: jeans, vestidos, pijamas. Blusas, meias e saias. Calcinhas, shorts e sapatos. Mas ficaram soltos os bons e maus dias em que as vesti. O primeiro dia de trabalho, a visita do amado, a discussão com a mãe, o aniversário.


Guardei, fechei, lacrei e etiquetei tudo o que estava no apartamento, mas sei de tudo o que não me acompanhará no caminhão de mudanças. Sei das coisas que só eu posso carregar para onde eu for. Sei o quanto deixo para trás e que não voltarei para buscar. Sei que são apenas paredes (e quanta vida elas têm para mim!).


Fecho a porta. Tranco o lugar vazio que ainda me é tão precioso. Sigo em outra direção. E sei que o que importa na vida está fora das caixas.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

To H.


Mar. Você é meu banho de mar. Meu banho na água fria e salgada do mar. Diante do mar, só se ouve o som das ondas... que é a sua voz, hipnotizante, constante, penetrante.

Eu sinto você do mesmo jeito que sinto o mar em mim. Vagarosamente, tocando delicadamente os meus pés, tomando conta das minhas pernas, arrepiando-me. E você só toma conta do resto do meu corpo porque eu me permito avançar em sua direção, mesmo sem saber até onde poderei ir, até que profundidade estarei segura.

Joelhos, coxas, quadris, cintura: você me cerca. Seios, braços, ombros: você me toma. É quando já me sinto tão parte de você, que o melhor é mergulhar. Espalhar meus cabelos em suas águas, tirar os pés da terra que me prende, abrir meus braços e não ouvir mais nada além da minha respiração confundida em suas ondas.

Deixar-me conduzir em sua correnteza e me afogar em seu amor. Perder-me dos rastros deixados na areia, esquecer a orientação do farol. Alcançar, quem sabe, a tranqüilidade do seu alto-mar.

terça-feira, 29 de julho de 2008

A garrafa inteira, por favor!

Em certos dias você precisa de uma garrafa de vinho. Não basta uma taça. A sua dor não cabe na taça. A taça é moderada, é limitada, tem os goles contados. Você não quer contar as lágrimas. Quer a garrafa inteira.

Você sabe que a taça não lhe traria efeito algum. Não os que você espera, pelo menos. Por isso pede a garrafa. Porque você olhará a garrafa por longas horas e saberá que há mais ali. Que, a cada gole, a cada taça, a garrafa se esvaziará como testemunha. E é a única testemunha que você quer.

Mas você também não quer qualquer garrafa. Você não quer a mais barata, nem a mais cara. Você quer aquela que tem significado. E, para isso, só há uma. A minha é Concha y Toro. Cabernet Sauvignon. Tomada em uma noite que inspiraria cerveja, pois estava quente. Tomada de madrugada, aberta com as mãos pelas quais esperara o dia todo, a semana toda. Saboreada no chão na cozinha. Sentindo o gosto com os olhos.

Deveria ter guardado aquela garrafa. Ela viveu o momento tanto quanto eu. Saiu da cozinha para a sala para o quarto. Guardou em si um resto de vinho tinto que clamava pela boca tanto quanto o meu corpo. Corpo que se confundiu, se perdeu e já não sabia mais se a tontura era pelo vinho ou pela taça que o acompanhava.

Se eu tivesse encerrado aquela noite do modo como encerrei a garrafa, tudo teria sido reciclado. Lixo reciclado. Um conto que se perde entre tantos outros. Mas não. Deixei que a noite se estendesse e se tornasse dia. E que o dia trouxesse outros. E em todos eles continuei embriagada pelo mesmo gosto.

E é na falta daquele gosto ou na eminência de perdê-lo que escolhi para essa noite não uma taça, mas a garrafa inteira. Ela, Concha y Toro. Cabernet Sauvignon.

Quem sabe hoje eu fique sóbria de você.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Eu quero agora!

Estou me convencendo de que crescer é aprender continuamente que não se pode ter tudo o que se quer na hora em que se quer.

Você começa não tendo leite toda hora que tem vontade: sua mãe impõe o hábito de mamar de 3 em 3 horas. Aí você não pode tomar banho na hora que tem vontade - ou seja: quase nunca - porque de novo vem a mãe mandando a criança teimosa para o banho todo santo dia.

Chega um momento em que você não pode mais acordar na hora que bem entende... Tem que acordar cedo e ir pra escola. Aí sim! Esse é o lugar onde mais se aprende que não pode ter tudo o que se quer na hora em que se quer. Tem que esperar a hora do lanche para poder comer, a hora do recreio para poder brincar, a hora que a professora se ausenta para poder relaxar.

Eu, em plena adolescência cheia de vontades, tive que esperar até os 15 para poder usar batom, salto alto e esmalte. Só um pai rigoroso para conseguir essa proeza!

Aí começa a fase de ansiedade para se sentir adulto, maduro. Você quer namorar. Mas, entre querer e achar um namorado legal, demora... Você quer entrar na faculdade e a droga do vestibular insiste em atrasar sua vida. Você quer ganhar muito dinheiro, mas seu chefe já acha que você está ganhando demais.

Você quer casar, quer separar, quer ter filhos, quer que os filhos cresçam, quer ter tempo, quer ter saúde, quer conhecer o mundo, quer conhecer a si mesmo, quer, quer, quer!

Conforme-se. Não passamos de crianças mimadas quando desejamos muito alguma coisa. Queremos pra ontem. Queremos bem do jeito que imaginamos. E não venha me dizer que não pode! Se não, eu choro.

sábado, 26 de julho de 2008

Entra e fecha a porta

Quantas idéias passam pela tua cabeça quando alguém diz "Entra e fecha a porta"... Dependendo de quem é o autor da frase, tu até podes arriscar uns palpites bem fundamentados. Mas saber MESMO, a gente nunca sabe...

Teu chefe te chama e diz:"Entra e fecha a porta". Pronto! Lá vem bomba! Claro que pode ser uma promoção, mas também pode ser uma demissão, uma advertência, ou, em último caso, um assédio sexual!! Tudo é possível.

Se é um colega de trabalho, quando ele diz "Entra e fecha a porta", pode ser o início da revelação de um grande segredo. Ou apenas fofoca de outros colegas de trabalho.

Quando a gente era criança e o pai ou a mãe dizia "Entra e fecha a porta", a gente já sabia que vinha bronca na certa! No meu caso, só o tom da voz em "Entra e fecha a porta" já bastaria para eu aprender a lição.

Mas nada como crescer e ouvir do namorado um "Entra e fecha a porta"! Quase dá para ouvir uma continuação na frase: "Entra, fecha a porta e tira a roupa, meu amor!"

O pior é o "Entra e fecha a porta" vindo de um médico. Como saber o que esperar? A gente pode sair sorrindo ou chorando daquela porta... depende do diagnóstico.

Nós só estamos no controle mesmo quando somos nós a repetir a célebre frase "Entra e fecha a porta". O que acontecerá a partir de então depende só de ti. E o objetivo dessa imperativa pode variar de pessoa para pessoa. Como quem escreve e deixa-se ler. Então, agora é a minha vez:

"Entra e fecha a porta!"

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Por inteiro

Não sirvo um copo d'água pela metade. Não saio com apenas metade das roupas. Não falo meias palavras. Dificilmente faço uma refeição pela metade e às vezes fico completamente bêbada - não pela metade. Eu gosto de dormir um sono só, inteiro. Gosto de olhar nos olhos - os dois, não apenas um. Entrego-me por completo ao meu trabalho e meus amigos. Às vezes uso só uma metade da cebola, mas sinto o sabor na íntegra. Filmes? Mesmo que ruins, assisto até o final. Beijo de olhos totalmente fechados. Minha nudez é completa e não se esconde. Quando saio de casa, vou até o final do caminho, sem cortar trajetos ou dar meia-volta. Agora que encontrei a metade da minha laranja, eu quero o amor por inteiro.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Abandone-se

Abandone-se. Essa é a instrução recebida ao final da prática de Yoga, quando fazemos relaxamento. Abandone-se... Nunca havia pensado em me abandonar. Se eu me abandonasse, quem me faria companhia?

Abandone-se. Desprenda-se. Depois de ouvir essas ordens duas, três, várias vezes, chega uma hora em que você finalmente obedece e se abandona.

Abandona tudo o que você andou pensando naquele dia. Abandona os problemas do trabalho. Abandona os prazos. Abandona o passado. Abandona a louça por lavar, o telefonema por fazer, a unha por pintar. Abandona as últimas notícias, as contas a pagar, os planos a realizar.

Abandonar-se não é simples. Nós nos apegamos demais a nós mesmos. Uma vida inteira vivendo debaixo de nossas próprias saias, ouvindo a mesma voz, olhando o mesmo corpo. Há de se abandonar todo esse conjunto em que se vive e abandonar-se.

Abandone-se. E, por alguns instantes, você fica livre de tudo o que lhe preocupa, de tudo que lhe constitui, de tudo o que você ama e odeia. São instantes transformadores. Transformam dores. Instantes em que você não tem obrigação nenhuma consigo mesmo.

Fica apenas o desapego, o silêncio, a paz. Fica apenas aquilo que ninguém é capaz de abandonar.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Entrego-me

Como é tenra a entrega. Entrego meu rosto aos seus beijos. Cedo meus cabelos aos seus afagos. Dou minhas pernas ao seu peso. Presenteio meu ventre ao seu filho.

Como é intensa a entrega. Entrego-me ao olhar que me consome. Deposito minhas torpes palavras na boca que me beija. Rendo-me ao abraço.

Redoma de mim, seus braços me mordem, seus dedos me enraízam, seus pêlos me vestem. Não sei mais de mim. Nesse vácuo entre nós, meu coração confessa ao seu; bombeia sussurros; bate confidências.

Assim, tão calorosamente junto ao seu peito, ele conta do que um dia foi. Palpita lembranças do que passou. Descompassa pedindo zelo. Intensifica-se. Acelera-se. Perde o ritmo. Exalta todo o resto do corpo. E pulsa e lateja e arde... para então banhá-lo com o sangue novo da sua presença em mim.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Parto

Inesperadamente, parto. Parte-se de mim tudo o que um dia fora, tudo pelo que esperei. Partes de mim se perdem pelo caminho e não me pertencem mais.

Parto. Não volto. Partes. Arrancas de mim o que criei, tiras-me o que alimentei. Parto. Porque não posso continuar pela metade. Quando menos esperava: partes.

Parto. Dói. Machuca. Rasga. Deixa marcas. Corta. Parto ferida.

Parto. Uma nova vida. Nunca a de antes. Caminho novo. Parto feliz.

Parto. Uma iniciação. Um caminho. Uma chegada. Uma ruptura. Parto agora.

Parto. Não esperava. Nem espere que volte. Parto. Partes. Partiu-se.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Todos os dias

Todos os dias a mesma coisa. Todos os dias, ainda meio sonolenta, às oito da manhã, pego o ônibus, pago o valor da passagem, passo pela roleta, junto-me a todos os outros que seguem o mesmo destino que eu: o centro financeiro da cidade. Os passageiros não conversam. Cada um olha para um ponto perdido do percurso. Cada um preocupa-se com os próprios afazeres do dia que inicia.

No ponto de ônibus seguinte, todos os dias, às oito horas e três minutos, o motorista encosta o ônibus, solta o cinto de segurança, desfaz-se da posição de motorista, desce do veículo, abandona todos os passageiros e retorna com uma linda jovem em seus braços. Depois, ele sai do ônibus novamente e volta com a cadeira de rodas da linda jovem. Todos os dias é assim. E a viagem prossegue.

Todos os dias ela enlaça o pescoço dele e entrega seu corpo, seu dia, sua vida aos braços daquele homem. Livra-se por alguns instantes da cadeira que a prende para confiar o que não mais controla ao homem que lhe guia.

Todos os dias ele faz o papel de herói que carrega a mocinha nos braços e a acomoda sã e salva na condução. Todos os dias, como um noivo, ele cumpre o ritual de carregar a mulher nos braços ao iniciar uma nova vida. O café da manhã que ele toma é o perfume dela.

Todos os dias ela se torna mais alta, mais segura, mais protegida por causa dele. Todos os dias, por alguns instantes, ele deixa de ser o motorista cuja presença as pessoas mal percebem. Todos os dias, por alguns instantes, ele é o mais forte, o mais honrado, o mais admirado por resgatar aquela mulher da rua, carregá-la nos braços e levá-la consigo.

Eles são silenciosos no percurso desse gesto tão particular. Provavelmente porque não há nada que precise ser dito. Olham-se. Olham o caminho que tomam juntos. Não há palavras. A entrega de ambos já é suficiente.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Por quê?

Esse espaço virtual está tentando começar a existir há tempos. E ele só está aqui porque tive assessoria do meu sobrinho de 11 anos (!), que insistiu em criar um blog para mim e me deixou sem opções. Depois disso, faltava pensar no que escrever.

O que você está vendo não tem a intenção de ser um diário virtual. Também não é para ser um veículo de novas informações. Na verdade, eu vou descobrir aos poucos o que fazer com esse espaço. A princípio, vai servir de morada para alguns textos que andam espalhados por cadernos, blocos, gavetas e e-mails.

É meio estranho saber que "meus delírios com intenções literárias" estarão disponíveis a leituras alheias(sejam elas feitas por pessoas que conheço ou não). Mas, enfim, depois que publiquei um livro, comecei a "processar" melhor a idéia de expor esses meus registros para outras pessoas além da minha mãe.

O máximo que pode acontecer é eu desaparecer da net do mesmo jeito que surgi... Sorrateiramente.