Passo grande parte do tempo escutando música. Corro e escuto música, cozinho e escuto música, tomo banho e escuto música. Sempre tive vontade de que a vida tivesse trilha sonora. No momento mágico do primeiro beijo, puft: começa a tocar a música mais romântica que você conhece! Músicas alegres para o encontro entre amigos. A música mais deprê possível na hora em que a vontade é só chorar, mais nada.
Música tem poder sobre a gente. Especialmente o poder de suscitar lembranças. Você está muito bem, obrigada, até começar a tocar a música que marcou a época em que seu coração estava partido. Aí, relembra aquela fase, as sensações, o que você era. Até tocar aquela música que marcou sua infância, aquela que você cantava com toda a força, aos berros, e com a letra toda errada. Quando preciso escrever algo emocionante, por exemplo, e não estou no clima, minha solução é rápida: música aos meus ouvidos... Trilha da Amélie Poulain ou do Forrest Gump. São milagrosas!
Percebi que, em minha seleção de músicas, tenho alguns tangos entre uma canção e outra. Vai de Gardel a Gotan Project. Gosto da mistura de sons, da força de emoção das notas, da dança que desconheço. Inevitavelmente, lembro de minha avó. Era ela que escutava tangos. Foi dela que copiei esse gosto. Ela pedia: “Liga um tango pra eu ouvir!” e eu ligava o toca-discos, de onde iniciava a viagem de minha avó.
A partir do momento em que a música começava, ela não conversava mais. Dizia, no máximo, “Olha que lindo!”. Seu olhar perdia-se no horizonte da parede do quarto. Sua cabeça dançava de um lado a outro, no ritmo da música. Ela escutava o disco inteirinho. Um tango após o outro. O tempo em que a agulha percorria o LP era o tempo em que minha avó estava em qualquer outro lugar que sua memória a levasse.
Sempre fora uma mulher muito bonita. Ela mesma dizia isso. Sempre cuidou muito bem dos cabelos e das unhas. Foi ela quem me deu meu primeiro esmalte vermelho “porque essas cores fraquinhas não têm graça”. Essa era a cor que a caracterizava: vermelho. No batom, no esmalte, na vida. Sempre em estado de paixão. Mesmo depois de mais velha, só deixava que alguém a visse depois de maquiar-se: blush, lápis na sobrancelha, perfume forte, batom vermelho.
Cresci olhando-me no espelho de minha avó na esperança de me tornar tão bonita quanto ela. Usei seus perfumes, seus batons, seus sapatos, seus colares. Hoje, ouço seus tangos para senti-la ainda perto de mim. E quando toca “La cumparsita”, ela está. Ela está em cada nota que Gerardo Rodríguez compôs. Ela é “La cumparsita”. Eu a vejo. É quando entendo que, quando ela escutava os tangos, seu silêncio não era de quem apenas apreciava o som. Era de quem fazia passos de tango em seu coração. De quem gravava o tango no meu.
Música tem poder sobre a gente. Especialmente o poder de suscitar lembranças. Você está muito bem, obrigada, até começar a tocar a música que marcou a época em que seu coração estava partido. Aí, relembra aquela fase, as sensações, o que você era. Até tocar aquela música que marcou sua infância, aquela que você cantava com toda a força, aos berros, e com a letra toda errada. Quando preciso escrever algo emocionante, por exemplo, e não estou no clima, minha solução é rápida: música aos meus ouvidos... Trilha da Amélie Poulain ou do Forrest Gump. São milagrosas!
Percebi que, em minha seleção de músicas, tenho alguns tangos entre uma canção e outra. Vai de Gardel a Gotan Project. Gosto da mistura de sons, da força de emoção das notas, da dança que desconheço. Inevitavelmente, lembro de minha avó. Era ela que escutava tangos. Foi dela que copiei esse gosto. Ela pedia: “Liga um tango pra eu ouvir!” e eu ligava o toca-discos, de onde iniciava a viagem de minha avó.
A partir do momento em que a música começava, ela não conversava mais. Dizia, no máximo, “Olha que lindo!”. Seu olhar perdia-se no horizonte da parede do quarto. Sua cabeça dançava de um lado a outro, no ritmo da música. Ela escutava o disco inteirinho. Um tango após o outro. O tempo em que a agulha percorria o LP era o tempo em que minha avó estava em qualquer outro lugar que sua memória a levasse.
Sempre fora uma mulher muito bonita. Ela mesma dizia isso. Sempre cuidou muito bem dos cabelos e das unhas. Foi ela quem me deu meu primeiro esmalte vermelho “porque essas cores fraquinhas não têm graça”. Essa era a cor que a caracterizava: vermelho. No batom, no esmalte, na vida. Sempre em estado de paixão. Mesmo depois de mais velha, só deixava que alguém a visse depois de maquiar-se: blush, lápis na sobrancelha, perfume forte, batom vermelho.
Cresci olhando-me no espelho de minha avó na esperança de me tornar tão bonita quanto ela. Usei seus perfumes, seus batons, seus sapatos, seus colares. Hoje, ouço seus tangos para senti-la ainda perto de mim. E quando toca “La cumparsita”, ela está. Ela está em cada nota que Gerardo Rodríguez compôs. Ela é “La cumparsita”. Eu a vejo. É quando entendo que, quando ela escutava os tangos, seu silêncio não era de quem apenas apreciava o som. Era de quem fazia passos de tango em seu coração. De quem gravava o tango no meu.
6 comentários:
A família se emocionou!
Como sempre, um belíssimo texto!
A eterna e inesquecível Vó Celina!
Saudade que não passa....
ontem mesmo revirei coisas minhas guardadas há tempos... e não há como escapar das coisas que nos fazem lembrar dela! (um paninho na cozinha, uma toalhinha no banheiro, uma roupa, uma biju).
Ler este texto foi reviver momentos preciosos que passamos ao lado desta pessoa especial .
Muita emoção e lágrimas de saudade ,de boas lembranças ,bons tempos .
É uma bênção passar por este caminho e deixar tantas e tão boas recordações ... e uma saudade sempre presente , não é ?
Adorei !
( ontem não fui capaz de tecer comentários ... )
É sempre muito difícil pra mim escrever um comentário depois de ler teus textos Bi. Difícil pq apesar de termos vivido tão poucos momentos juntas, falas de coisas que são tb pra mim, mto preciosas e ainda por cima, de um jeito que eu jamais conseguiria expressar. Sei que a vó nos ensinou muitas coisas, nos deixou muitas marcas e muitas lembranças e sei tb que onde ela está continua pintando as unhas e os lábios da mesma cor, só que a preferência, que tenho na memória, era pela cor "Malva" da Avon... e sentada na frente da penteadeira azul está penteando os cabelos prendendo-os com os grampos. Ah, claro!!! qto tango já dancei com a vó, o vô e a madrinha... sons que ainda escuto pela sala e assim me transporto para um tempo em que sonhava com o amanhã e que nele, é muito bom voltar ao ontem. Te amo Bi, especialmetne pelas emoções que me fazes (re)viver. Acho que herdamos muiiiiiitas coisas da Vó Celina, afinal: "Quem não se enfeita, por si se enjeita!"
Adorei o texto, me emocionei e como não podia deixar de ser tbém recordei daqueles momentos que somente nós que convivemos com ela podemos entender o que tu falaste, só que ela era única e especial...
A família toda marcando presença no blog!!
Adorei!!
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