sábado, 19 de junho de 2010

Na Ilha por vezes habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

(José Saramago, 16/11/1922 - 18/06/2010)

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Luto

Hoje perdemos um grande homem, uma grande mente, um grande escritor.

E eu estou particularmente desolada porque José Saramago morreu.

Segue, aqui, uma pequena narrativa dele:

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Mau tempo?


Cheguei na sala de cinema uns 10 ou 15 minutos antes de iniciar a sessão.
Foi aí que percebi: as pessoas não têm mais tempo para o que não é bom.
Explico: olhei para o lado, e ninguém mais tinha tempo de ficar olhando para a tela em branco, pensando na vida, ou conversando com a pessoa que estava ao lado enquanto o filme não começava.
Estavam ligadas aos celulares, mandando e-mails, torpedos, tudo que preenchesse aquele tempo “perdido”.

As pessoas se enchem de remédios porque não têm tempo de ficar em casa, “de molho”, se recuperando de uma gripe, por exemplo.

Ou às vezes é o caso de o luto estar ali, doendo no coração, mas logo vem um psiquiatra dando remédios para que não se vivencie aquele momento, para passar melhor por ele, para não sentir.

Tempo para chorar. Tempo para lamentar. Tempo para sofrer.

Tempo para ficar cansado e para descansar.

Tempo para curar. Tempo para esperar. Esperar a chuva passar, esperar o filme começar, esperar a noite chegar. É só uma questão de tempo.

A vida moderna tem nos exigido que pulemos esse tempo todo. Que o preenchamos com outras coisas úteis (?).

Eu mesma já reparei que, quanto menor o texto postado aqui, mais leitores. Quanto maior, menos pessoas têm tempo suficiente para ler.

Tire um tempinho para pensar sobre isso... E sobre o quanto esse tempo todo ainda nos é necessário.

Ah! E pense por nós dois, porque eu tô sem tempo. Tenho que ir!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Já que amanhã é Dia dos Namorados...

Eu não preciso que tu sejas poeta.

Não preciso que tu gostes de escrever e escreva como um Machado. Ou Drummond.

Não preciso que tu ouças as mesmas músicas francesas que eu.

Tu não precisas ser fã do Chico, do Marcelo Camelo, nem saber quem é Proust.

Não quero que tu sejas diferente do que tu és.

Eu te admiro e te amo pelo homem que tu és.

Porque tu és sempre agradável com todo mundo.

Porque tu tens a praticidade que eu não tenho.

Porque tu sabes pensar com calma e com rapidez nas situações mais complicadas.

Porque tu entendes de política, de economia, de questões sociais que eu gostaria de entender.

Porque tu te importas com quem te quer bem.

Porque tu és uma excelente companhia.

Porque tu gostas de animais.

Porque tu és inteligente, educado, solícito, amigo. E bons amigos são raros.

Eu te admiro pela tua franqueza, pela tua força e especialmente por tu ter a coragem de admitir tuas fraquezas.

Eu te admiro e te amo pelo que tu és comigo.

Pela forma carinhosa como tu me tratas.

Por tu te interessares por mim e por isso que tu chamas de "meu mundo", que também é teu.

Te amo porque meu coração ainda dispara quando te vejo.

Eu te amo porque me sinto bem ao teu lado, porque me sinto em casa nos teus braços.

Eu te amo porque eu te admiro porque eu te quero porque eu te amo.

Eu te amo por todos os motivos.

Eu te amo por motivo algum.

Eu te amo porque tu és, todos os dias, o meu melhor motivo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Pelos livros de minha mãe



Quando eu era pequena, as viagens que meu pai sempre fazia tinham dois lados: o ruim, de ele estar longe, e o bom, que era a possibilidade de poder dormir com a mãe. Lógico que não era algo fácil, já que a disputa entre os irmãos era acirrada. Dormir com a mãe era um privilégio, uma honra! Era estar no melhor quarto da casa, com os carinhos de filho exclusivo, enquanto os outros três irmãos dormiam em seus quartos habituais e, claro, sem a mesma graça.

Quando finalmente chegava a minha vez de dormir com ela, lembro que, invariavelmente, antes de dormir, ela lia. Sua fome por livros era noturna. Com a luz do abajur ligada, confortavelmente recostada no encosto vermelho da cama, ela lia. Livros de todas as cores e espessuras. Com eles, minha mãe se ausentava um pouco do nosso mundinho e se perdia no mundo que os livros lhe ofereciam.

Eu queria aquele mundo para mim. Queria fazer aquelas viagens com ela. Queria aprender a ler.

Assim que comecei a decifrar as primeiras letras, as primeiras palavras (todas ensinadas por ela), minha realização era poder ficar encostadinha no peito da minha mãe para ler junto com ela. Não importava o livro. Página por página, eu acompanhava a leitura de minha mãe. No tempo em que ela sorvia duas páginas, eu lia, com orgulho e presteza, a última palavra de cada linha de todas as páginas nas quais os olhos dela também repousavam.

Finalmente, líamos juntas. Ela lia tudo. Eu, algumas palavras. Mas isso me bastava para me sentir tão capaz de me inserir no mundo da leitura quanto ela. Agora, eu também sabia ler!

Por causa dessas palavrinhas de final de linha que eu conseguia decifrar, me sentia mais próxima das letras e da minha mãe. Ela e eu: leitoras. Sabia que chegaria o dia em que eu conseguiria ler tanto quanto ela. Foi por causa da leitura dela que eu quis ler também. As palavras eram minha chance de um dia ser tão especial quanto minha mãe.