segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Homesick

Pode ser apenas uma certa fase de nostalgia, de saudade apertada de tudo que faz parte de mim e que ficou lá no Sul do país, mas hoje me peguei pensando em todas as questões culturais que nunca farão parte do repertório da minha filha do modo como fazem parte do meu...

Percebi que, por mais que ela tenha sua pequena cuia de chimarrão e tome eventualmente comigo, ela mal saberá como realmente funciona uma roda de chimarrão, dificilmente terá a ambição de saber preparar um sozinha e não terá o mesmo vício que eu tenho. Em contrapartida, ela vai se deliciar com água de coco e suco de cajá, vai implorar para eu levá-la para tomar um açaí.

Tampouco ela terá água na boca por um suculento churrasco, preparado pelo avô ou pelo tio, com o chimarrão passando de mão em mão enquanto a carne assa e todos se divertem em volta da churrasqueira. Sei que ela vai adorar - ela já adora - um acarajé bem preparado e o caruru de setembro.

A Festa da Uva vai passar desapercebida pela vida de minha filha. Ela não quererá ser Rainha ou Princesa da Festa (nem poderá), não vai assistir aos desfiles de rua e às olimpíadas do evento, sempre tão engraçadas. Mas vai curtir muito carnaval, como pipoca, camarote, bloco ou em cima do trio!

Ela não vai experienciar a sensação de perceber o inverno chegando, trocar todas as roupas de lugar no guarda-roupas, ir correndo para debaixo das cobertas nos dias mais frios ou querer se jogar para dentro de uma lareira... Ela terá, isso sim, a malandragem da praia, do bronzeado, do mar e de só sentir frio em viagens ocasionais (e achar o máximo!).

Ela não vai se preocupar e se ocupar com a moda do inverno, que deixa as mulheres tão mais elegantes: as botas, os casacos, as mantas e as luvas, mas terá coleções de biquínis, cangas e bonés.

Ela vai entender e respeitar o candomblé, os orixás, mas nunca será devota de Nossa Senhora do Caravaggio, nunca percorrerá, a pé, numa manhã fria de maio, os 22 quilômetros até Farroupilha.

Para ela, 20 de setembro será apenas mais um dia comum no calendário, mas respeitará muito o dia 2 de julho.

Ela desconhecerá a letra e achará engraçada a canção "Quando se pianta la bella polenta...", mas vai cantar aos brados "que o baiano é um povo a mais de mil..."

Dodô, Osmar ou Elomar serão exemplos de músicos e compositores, não Renato Borghetti ou Yamandu Costa.

Macarronada? Tortéi? Pinhão? Não! Peixe, por favor.

Ela nunca vai exclamar "Bah!". Ela vai dizer "Ôxi"! Não chamará a "profe", chamará a "pró".

Não comerá cuca de lanche, mas um pedaço de bolo de aipim.

Vai conhecer as melhores festas juninas, mas mal saberá o que é um "almoço de colônia".

Tantas diferenças, tantos variados costumes. Não é o meu sotaque que ela herdará, não é no solo em que nasci que ela viverá. É no solo que escolhi, com o sotaque cantado dos baianos, o sotaque do pai, que é o meu amor.

No fim das contas, é tudo apenas uma questão de amor, mais uma vez. O amor que me trouxe, que me mantém, que a gerou. O amor por um lugar, por dois lugares, por esse caminho. O amor que encontra espaço para uma, duas culturas... O amor que crescerá nela e lhe dará a chance de ser como bem quiser, com a cultura que quiser ou, na melhor das hipóteses, com a junção das duas.