terça-feira, 31 de agosto de 2010

Fragmentos de um estudo amoroso


Inocentemente lendo para produzir uma tese... (Sobre o amor, claro!)

"Há uma percepção da paixão como curva, como um transporte que descreve um arco e declina, como febre de ressonância narcísica que arrefece: este é o momento delicado em que os amantes, colocados pela flutuação das vontades diante da imperfeição do outro (que implica a própria), e cessado o mágico encanto dado pela potência divina do entusiasmo (etimologicamente: endeusamento) passional, ou se desiludem, ou convertem a paixão numa relação amorosa baseada na aceitação do limite e da carência. Mas uma aceitação continuada e amorosa da imperfeição do outro e da própria imperfeição configura CASAMENTO."**


Então me ocorreu que talvez seja por isso que alguns casamentos duram tão pouco... Porque as pessoas não estão preparadas para aceitar as imperfeições do outro (de forma CONTINUADA e AMOROSA) e de suas próprias imperfeições.

Será?

Bem... A tese está apenas começando...


(**WISNIK, José Miguel. "A paixão dionisíaca em Tristão e Isolda". In: NOVAES, Adalto (Org.). "Os sentidos da paixão". São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 232)

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Ever since we met...



Desde que nos conhecemos, sempre achei diferente – para não dizer estranho – que, quando saíamos para jantar, ao invés de você se sentar ao meu lado, você sempre se sentava à minha frente. Sempre.

Para mim, fazia mais sentido que você se sentasse ao meu lado... Os carinhos e beijos ficariam facilitados, e não separados por um móvel, fosse ele redondo ou retangular. Eu poderia falar junto ao seu ouvido e ficar de mãos dadas sob a toalha de mesa. Encostaria minha perna na sua e recostaria minha cabeça no seu ombro.

Mas não... Você queria sentar diante de mim. Dizia que não queria tirar os olhos dos meus. Que queria poder ficar me olhando. Então, em cada almoço ou jantar, eu concordei... Enquanto me olha, você também estende a mão através dos copos e talheres para alcançar a minha. E descansa seus pés ao lado dos meus. Por vezes, levanta-se por cima da decoração da mesa, dos pratos recém servidos, do vinho, da água, e me beija.

Hoje, depois de todo esse tempo desde o primeiro jantar a dois, eu é que te peço: sente diante de mim, não ao meu lado. Não quero mais tirar os olhos dos teus. Gosto de ver nosso mundo refletido no teu olhar. Não preciso ver em volta. Tudo está no teu olhar. O ambiente, a luminosidade, o mar ao lado, o aspecto do que nos alimenta. Tudo em teus olhos. E o melhor é poder ver e rever, em cada jantar ou almoço, que no centro do teu olhar ainda está a minha imagem refletida.

Dispenso espelhos. Tudo que eu preciso é sair para jantar com você.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Presente II

"O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

(As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Quem é você?

Fico prestando atenção naquele momento, no hospital, quando uma criança está para nascer... Todos estão lá, ansiosos, se aglomerando para ver o novo rostinho, ouvir o chorinho, acompanhar cada detalhe.

Acho que não é apenas para ver com quem o bebê se parece.

É todo um novo ser a descobrir, a conhecer. É o momento em que ele está se apresentando para o mundo e a gente quer logo saber quem é essa pessoinha... Cada feição, cada jeitinho de olhar, o modo e o quanto chora ou dorme. Tudo, aos pouquinhos, vai desvendando quem é esse ser que toma todas as atenções.

Queremos logo descobrir do que ele gosta e do que não gosta, de que cor são os olhos, se tem algum sinal na pele, se tem muito ou pouco cabelo, o que o faz chorar e o que o acalma. Queremos saber com que amigos andará, se vai gostar mais de matemática ou de português, se preferirá ficar em casa ou na rua, com quantos anos irá se apaixonar e qual será seu primeiro trabalho.

Talvez seja por isso que as pessoas ainda estejam gerando novas vidas. Porque um bebê é um conjunto de mistérios rodeado de amor. E desvendá-lo é simplesmente mágico.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Casa comigo?



"Porque eu te amo, porque você é tudo o que sonhei, porque me vejo em ti, porque tu tens os defeitos mais respeitáveis e as qualidades mais admiráveis, porque você me faz muito feliz e porque você é a única que eu quero que seja testemunha de tudo o que sou e serei...

Casa comigo?"


(H.C.)

Happy!



Por mais auto-ajuda que possa parecer,

o negócio é não ser do tipo que sabe agora do tempo que foi feliz no passado...

Bom mesmo é perceber o quanto se é feliz agora

E saber direitinho dos motivos!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

DIÁLOGOS VI


(Atendente) - Idade?

(Eu) - 30.

((Atendente) - Tem filhos?

(Eu) - Não.

(Atendente) - É casada?

(Eu) - Não. União estável. Não é casamento.

(Atendente) - É... Também acho que casamento não é estável.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Arco-íris

Você pode até me julgar boba, boazinha demais.

Mas agora entendo:

Enquanto alguns se esforçam para trazer dias de tempestade a quem os feriu, todos os dias,

Eu me esforço para construir o arco-íris que vem depois da ferida.

Todos os dias.