sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A new place


Estive envolvida na difícil tarefa de procurar um apartamento para o qual me mudar. Dias e dias gastando meu salto nas calçadas de Florianópolis para achar um outro lugar com o qual eu me identifique. Tinha que ser perto do trabalho. Não adianta: esse fator torna a vida bem mais prática, especialmente em uma capital. Telefonei para corretores, fui em cada imobiliária, liguei para os anúncios no jornal, sabendo que a prova dos nove não seria dada por características do imóvel ou pelo preço. Tudo depende de como eu me sinto ao entrar no lugar.

Até que cheguei em um pequeno apartamento cuja porta exigia um exercício mental e físico para abri-la. Atrás dela, estava o lugar que me envolveu. Iluminado pelo sol e bem cuidado, ele tinha exatamente os únicos dois móveis que eu não teria para levar. Foi um pacto silencioso que fizemos, o apartamento e eu. Entendi a razão de a porta ser tão complicada: ela estava guardando todos os dias que viverei lá dentro.

Assim, dei o problema por solucionado. Comecei a visualizar a disposição dos móveis, a parede dos quadros, a cor da cortina. E tudo isso a 3 ou 4 quadras do trabalho. Fiz o percurso várias vezes: do trabalho para o prédio, do prédio para o trabalho. Era perfeito. Até fazer o trajeto acompanhada, falando sem parar das qualidades do imóvel, quando fui questionada: “Você já olhou para o outro lado?”

Não. Eu não tinha olhado. Mudei a direção do meu corpo, que estava voltado para o caminho que eu farei para chegar ao trabalho. Quando olhei para o lado direito, para o final da rua, perdi todas as palavras de exclamação, todas elas chegaram mais rápido que eu ao mar que estava logo ali. Caminhei mais uma quadra, a quadra oposta à labuta diária, e cheguei à Beira-Mar, com tudo o que essa visão oferece.

Descobri que vou me mudar para um lugar que está a poucos metros de um dos cartões postais mais bonitos de que se tem notícia. Dei de cara com os tons de amarelo do sol refletidos naquele marzão, que será meu mais querido vizinho. Pessoas caminhando, andando de bicicleta, fazendo exercício para o corpo e para a alma. O cheirinho de praia. A paz a uma quadra de casa.

A mudança será em breve. Mas meu espírito já está morando lá. Ele já percorre todos os passos entre o apartamento acolhedor e a beirinha do mar. Ele ouve o barulhinho das ondas de olhos bem abertos. Ele compreendeu perfeitamente o que meu querido amigo traduziu em palavras: “Enquanto você pensa de olhos fechados, um poema dorme do seu lado”.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O que falta


"Era solteiro e nas horas vagas ficava na casa da mãe, por quem tinha grande apreço. Pelos colegas de trabalho será lembrado como um funcionário competente e prestativo. Sofreu uma parada respiratória e morreu no dia 17. Não teve filhos. Foi sepultado em Blumenau."


Era isso o que constava sobre J.F. na nota de obituário do jornal. Sua vida e sua morte resumida a cinco frases. Não o conheci, não posso dar opinião a seu respeito. Mas posso supor que existam muitas outras frases faltando nesse resumo. Frases de total importância. Frases que realmente teriam definido J.F.


Faltou falar sobre os momentos que ele dividiu com os amigos e sobre a falta que ele fará na vida desses amigos.


Faltou falar nas namoradas que teve. Ou namorados. Será que ele se apaixonou verdadeiramente? Será que amou de todo o coração? Será que um amor não correspondido foi o motivo pelo qual J.F parou de respirar?


Faltou dizer se sua infância foi feliz, se brincou na areia, se ficou com traumas, se esfolou os joelhos, se tinha medo do escuro.


Faltou comentar se ele teve espinhas, se viajou para todos os lugares que pretendia, se era alérgico a algum alimento, se gostava de computador, se era vaidoso.


Faltou falar nos sonhos que ainda pretendia realizar. Nesses filhos que talvez ele ainda pretendesse ter. Nos ideais que chegou a realizar. No futuro que agora ficará eternamente esperando por ele.


Faltou falar no essencial. No que o mantinha vivo. No que matou primeiro sua alma... para depois chegar ao corpo. Na última coisa que seus olhos viram.


Faltou falar naquilo que você e eu ainda temos tempo de fazer.


Faltou exatamente aquilo que não cabe em uma nota de obituário.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Além


Ontem, quando estava em uma posição de permanência que, para mim, era bem difícil na prática de Yôga, meu instrutor falou: “Agora, esvazia o pulmão e tenta um pouco mais... Veja como é bom saber que se pode sempre ir um pouco além...”. Essa história de ir um pouco além ficou me perturbando, no bom sentido. Por que é que nos esquecemos que podemos ir um pouco mais além e nos limitamos ao que estamos acostumados a fazer?

Pensando nas palavras do meu instrutor, eu até consegui alcançar um ótimo resultado de flexibilidade, levando-me a pensar que, em outras circunstâncias da vida, resultados melhores também são possíveis, desde que tentemos ir um pouco mais além. Pode nem ser com o pulmão vazio. Podemos respirar bem fundo e dar um passinho a mais.

Como na fase de vestibular, por exemplo, em que algumas pessoas levam anos estudando, sem obter o desejado resultado positivo. Algumas desistem ou partem para outro curso: não desejado, mas de mais fácil acesso. É um bom momento para pensar: “Respire fundo e vá um pouco além”. Ali pode estar a aprovação.

Quando alguém pede por ajuda e nós fazemos exatamente o que nos é pedido. “Ir um pouco além” pode ser a alegria que faltava para o outro. E provavelmente não nos custará nada. É apenas um pouquinho mais de esforço, um pouco mais de boa vontade, um pouco mais de doação.

Se você acha que fez tudo o que poderia fazer em um de seus projetos de trabalho, tente ir um pouco além. É quando você pode dar um toque que fará toda a diferença. Aquele toque final que pode ser exatamente onde mora o seu sucesso.

Como naqueles dias em que não estamos nos sentindo bem, quando a vontade é ficar na cama e não ver ninguém. É bom saber que se pode ir um pouco além... O esforço para levantar, para tentar ficar melhor. E de fato ficar melhor. E viver melhores momentos no dia que você criou do que seria se tivesse permanecido sobre seus lençóis.

É como nos momentos de crise de um relacionamento a dois. Vocês acham que não tem mais jeito, que não é mais possível, que é insuportável permanecerem juntos. E se tentarem ir um pouco além? E se você tentar se aproximar daquela pessoa com quem você divide seus dias? Aproximar-se mesmo, com um toque, um beijo, um cartão. Ir além e dizer “Eu ainda te amo”.

O problema é que não há instrutores na vida real. Não há quem nos diga para esvaziarmos nossos pulmões e darmos um pouco mais de nós, irmos além. E nos acostumamos a viver nos limites que nos impomos. Naqueles que nos impedem de dar um sorriso a mais, de ficar um pouco mais de tempo acordados, de olhar um pouquinho mais para o outro, de ser um pouco mais felizes... Só depende de lembrarmos que se pode sempre ir um pouco mais além.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

À deriva


Minha alma está à deriva.

Meu corpo está em alto mar.

Fecho meus olhos e sinto o vento que me leva, me embala, mas não me diz mais para onde vou.

Perdi a bússola e o norte.

Deixei a terra firme e as certezas.

Não trouxe o mapa nem os medos.

Deixei para trás as raízes, o porto seguro, a mala carregada.

Abandono tudo em busca do horizonte que me escapa.

Permito-me ser guiada pelo coração apenas.

E meu coração é principiante nas artes do (a)mar.
Foi ele que me trouxe até aqui e me despiu de meus pudores e minhas dores.

Trouxe-me adormecida e me fez sonhar com o bom do por vir.
À deriva estou, diante da sua praia.

À deriva de tudo que sei e tudo o que conheço.

À deriva.

À espera de que você nade até mim e me ajude a remar.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

E você também


Todo mundo sangra por dentro. Todo mundo sofre todo mundo perde todo mundo apanha todo mundo vaza todo mundo ama todo mundo grita todo mundo cai todo mundo dói todo mundo esconde todo mundo entristece todo mundo esquece todo mundo lamenta todo mundo espera todo mundo ilude todo mundo enlouquece todo mundo cansa todo mundo entende todo mundo tem fome todo mundo come todo mundo precisa todo mundo prende todo mundo cresce todo mundo encolhe todo mundo foge todo mundo procura todo mundo encontra todo mundo mente todo mundo acredita todo mundo doente todo mundo empobrece todo mundo acaba todo mundo morre todo mundo padece todo mundo impera todo mundo arde todo mundo peca todo mundo parte todo mundo sente todo mundo.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Invasão


Eu vou invadir tua vida.
Não vou mandar avisar, nem bater na porta, nem pedir licença.
Vou chegar arrombando, tomando conta, balançando minha bandeira, marcando território.
Vou invadir teu quarto e teus sonhos; tua cozinha e tua fome; tua sala e tua paz.
Vou rasgar as fotos e o passado, escancarar a janela dos teus olhos, mudar os móveis de lugar.
Vou te beijar ao sair e te esperar nua ao voltar.
Vou dobrar tua roupa, vestir tua roupa, tirar tua roupa.
Vou banhar teu corpo e tua alma e perfumá-la de beijos.
Vou falar, vou calar. Vou ouvir, dizer que te amo.
Vou te embalar, te acordar, te alimentar, te observar.
Vou invadir tua vida, para não ser despejada da minha.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Mulher dá trabalho


Já ouvi por aí que alguns homens gostam de mulheres bonitas. Por uma noite. Não por uma vida. Mulher bonita dá trabalho. O homem se sente obrigado a estar bonito também. Tem que estar à altura da mulher bonita que tem ao lado. Ele fica de olho em quem está de olho na mulher dele. Acaba, por vezes, deixando de pousar seus olhos sobre a própria mulher, de tão preocupado que está com a vigilância. Mulher bonita dá trabalho...

Já ouvi por aí que alguns homens gostam de mulheres inteligentes. Por tempo determinado. Não para todo o tempo que lhes resta. Mulher inteligente dá trabalho. O homem precisa renovar seus assuntos, seus argumentos. Saber que não ganhará a discussão com uma boa noite de sexo. Ou ganhará. Mas não sempre. Sem falar na concorrência! Com tantos homens inteligentes pelo mundo, será que ela ainda o acha interessante? Mulher inteligente dá trabalho...

Já ouvi por aí que alguns homens gostam de mulheres independentes. Para dividir a conta de um jantar. Não para dividir sua história. Mulher independente dá trabalho. O homem sabe que ela não precisa dele. Que pode se desvincular da relação sem danos – materiais, ao menos. Ele não saberá em que ela gasta seu dinheiro – e vai pensar que ela pode estar gastando na companhia de outro. A mulher independente tem tamanha segurança de si, que o homem sente a sua própria segurança ameaçada pela dela. Mulher independente dá trabalho...

Então, de tudo o que ouço por aí, fico pensando se ainda há homens capazes de encarar uma mulher independente, inteligente e bonita. Encarar de verdade: por uma história, pelo tempo que lhes resta, por uma vida.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Contra partidas


Que ambientes peculiares são as rodoviárias e os aeroportos da vida. Podemos passar um dia inteiro lá, observando as pessoas que vêm e vão e poderemos ver o amor aparecendo aqui e ali. São olhos ansiosos, esperando a chegada do amor. Ansiedade e saudade. Duas palavras que, além de rimarem, se unem nos minutos que antecedem a chegada do ônibus ou a abertura das portas do desembarque. Pode ser o filho, o marido, o pai, a mãe, um amigo. É o amor que está chegando em forma de gente.

Mas as chegadas não são permanentes. Os dias passam com rapidez. Tudo se faz alegria quando estamos juntos. São pequenos agrados: a comida favorita, o quarto arrumado, as visitas que se estendem por uma tarde inteira, todo o tempo dedicado à alegria de estarmos juntos. Até a hora de fazer as malas novamente e partir.

E lá vamos nós para a rodoviária, o aeroporto, a estação de trem... Quaisquer desses pontos de encontros e desencontros. Deparamo-nos com abraços que não querem se soltar. Afagos, carinhos, lágrimas de despedida, proporcionais ao tamanho da distância que está por vir. Gestos presos atrás dos vidros. “Eu te amo” emudecido dentro do veículo. Olhos que seguem a pessoa enquanto ela se acomoda em sua poltrona ou olhares que espreitam o avião até perdê-lo de vista no horizonte divisor.

Declarações de amor veladas até então, para terem mais impacto no momento da despedida. E o difícil ato de ter que dar as costas àquela partida e voltar para a vida normal. Aquela na qual passamos todos os outros dias aguardando pelo reencontro.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Destinatário


De repente, no meio de uma tarde entediante, nula de expectativas, um motivo para sorrir. A gente costuma receber tantos e-mails de tanta gente, que já virou lugar-comum. E o que antigamente era lugar-comum vira a grande atração do dia: um envelope trazido pelo carteiro!

Um envelope cuidadosamente fechado, com seu nome no destinatário. Visto assim, você não é um meio para algo. Você é o destino. Um envelope predestinado a chegar às suas mãos. Seus olhos ficam radiantes, percorrendo todo o envelope e analisando tudo o que lhes é permitido: a cor, o tamanho, a textura, a tinta da caneta com a qual lhe escreveram, a letra de quem lembrou de você e escreveu seu nome corretamente.

Você olha e quer adivinhar o que há dentro, quer desvendar quem é o dono da letra que se deu ao trabalho de lhe mandar algo. Escolheu o que colocaria no envelope, selecionou o envelope, escreveu para você, saiu de casa até uma agência dos Correios, pagou para que este pacote mudasse o seu dia.

Não há como esperar mais para abrir o pequeno pacote. E você esquece a delicadeza na hora de fazê-lo. Quer violentar o papel para que ele lhe dê o que você nem sabia que precisava tanto. Você não sabe o que é, mas já precisa disso mesmo assim.

E quando descobre o que é, o sorriso já se instalou indeterminadamente no seu rosto. Pode ser uma carta, um bilhete, um cartão, uma fotografia, um livro... É, de todas as formas, carinho. É receber um afago à distância. É ouvir um “Lembrei de você” que só os seus tímpanos conseguem captar. É sentir-se especial, pois, naquele momento, você é simplesmente o destino de alguém.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mesmo que o Dia dos Pais já tenha passado...


Meu pai não é o que se pode chamar de pai-herói. Passei pela fase de pensar isso - e pensava mesmo! Mas ele não é. Meu pai também não faz o tipo pai-e-mãe. Minha mãe sempre esteve ali, cumprindo todos os seus papéis. Meu pai não é daqueles "pai-pra-toda-obra". Ele sempre quis que seus filhos "se virassem" sozinhos. Meu pai não tem nenhuma dessas denominações incríveis de pai. Com o passar do tempo, descobri que ele só tinha uma: meu pai.

Um pai cheinho de defeitos, como qualquer ser-humano. Um pai com problemas, com frustrações, com opiniões. Entender isso foi fundamental para eu aprender a amar não a imagem de um pai-modelo, mas o meu pai, exatamente como ele é.

Um homem que faz a barba todo dia, mas que aparece com ela enorme ao retornar das demoradas pescarias. Um homem que dirige perfeitamente bem; até quando ele burla as regras de trânsito, você dá razão a ele. Um homem que acorda cedo, faz chimarrão e faz questão de acordar a casa toda com sua barulheira.

Um homem forte, que nunca teve vergonha de chorar em filmes de amor e em nossas festas especiais. Um homem que adora viajar e ama passar as tardes de sábado na cama. Um homem que está sempre bem perfumado, e que deixa um pouco do seu cheirinho em mim quando me abraça.

Um homem enérgico, mas que sabia ceder se eu pedisse com jeitinho. O homem que me ensinou a dançar e que me embala ao som da música até hoje, sempre que tem oportunidade. Um homem de voz firme, mas que vira uma criança mimada quando está doente.

Um homem que sempre preparou uma quantidade de comida bem superior ao que conseguimos consumir, e que foi cobaia das minhas primeiras experiências culinárias. Um homem que gosta de dormir depois do almoço, e cujo ronco não deixa ninguém mais dormir.

O homem que pediu a minha mãe em casamento, e que se separou dela. O homem que tira várias fotos iguais para garantir que uma delas saia bem. O homem que prepara o melhor churrasco do mundo e que ensinou suas técnicas ao meu irmão. Homem que ama a vida no campo. Que tem pressão alta. Que mora longe. Que brincava comigo no mar. Para quem uma refeição sem carne não é refeição.

O homem que nunca foi perfeito, nem será. Porque eu também não sou perfeita. E é justamente nas imperfeições que se aprende a amar.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Sentidos


Penso que houve um tempo, quando éramos crianças, em que nossos sentidos eram mais aguçados. Sentíamos melhor o cheirinho das flores, da chuva e do mar. Ouvíamos mais palavras de amor, mais gargalhadas gostosas e mais choros silenciosos. Tudo deveria ter gosto de primeira vez: o sorvete, a comida quente que queima a boca, o leite morno que alimenta a alma. E o que víamos era mágica: a pedra quicando no rio, os desenhos da televisão e dos livros, a imagem da mãe acendendo a luz bem no meio do pesadelo. Tudo o que tocávamos era sentido diretamente pelo coração: os grãos de areia que seriam nossos castelos, a água do chuveiro que banhava e acalentava, as mãos dos irmãos segurando firme as suas.

E penso que a melhor maneira de nos aproximarmos novamente desse tipo de sensações é através de uma nova viagem. Nela, todos os seus sentidos anseiam pela novidade. Seus olhos perseguem novas paisagens, deparam-se com outras feições, desvendam novas ruas. As cores que você vê em uma viagem são outras. O verde das árvores não é o mesmo. Você descobre que o branco da neve chega quase a cegar e, nem assim, você se cansa de olhar para ela. De repente, quando você olha para o lado, vê o céu se pintando para preparar a sua noite, usando tons de laranja, de rosa, de azul, até terminar sua exibição diurna e deixar o negro da hora tomar conta junto com a luz da lua.

Seu olfato torna-se detalhista e você faz questão de sentir o cheiro que a cidade emana. O suor das pessoas tem outro odor, as plantas têm outro aroma, os perfumes têm outras essências, as cozinhas atraem por outros cheirosos ingredientes.

Seus ouvidos estão prontos para outros sons, para ouvir um idioma que não é o seu, para escutar as músicas que você ainda não aprendeu a dançar, para ouvir o vento que percorre outras terras e todos os outros sons que fazem deste um lugar estrangeiro.

Sua boca quer sentir o gosto da novidade, dos estranhos sabores, das combinações impensadas. Ela quer enrolar a língua para se comunicar. Quer degustar outras bebidas, outros temperos. Sua boca quer morder um pedaço do novo e mastigar o que é desconhecido. Quer se deliciar. Ou enjoar! Quer sua fatia de sensações.

Suas mãos são outro par de olhos curiosos. Você quer sentir a textura dos tecidos, dos artesanatos. Você quer sentir o gelado dos flocos de neve e o calor que vem das pessoas. Você sente o frio percorrer seu pescoço, os raios de sol refletidos em seu rosto, o aconchego de uma cama diferente.

Você sente... E quando você vai embora, de todos os sentidos, um deles fica mais perspicaz. O sexto sentido... Aquele que lhe diz que você irá voltar.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Melancia com leite


Crença é algo em que você acredita e não questiona. Também não procura entender. Você se conforma que está além do seu entendimento. Você crê e isso é fato. Eu, por exemplo, passei a vida toda acreditando em certas coisas nas quais nunca parei muito para pensar. Que ver televisão demais estraga os olhos, que passar leite no cabelo o tornaria mais claro, e que cortando o cabelo de dois em dois meses, ele cresceria mais rápido. Que depois de colocar água no arroz, não se mexe mais; que é melhor comer a fruta com casca, e que nunca, em hipótese alguma, se poderia misturar melancia com leite.


E, além de acreditar nisso, ainda passei a informação adiante: "Nunca coma melancia e tome leite num intervalo menor que duas horas. Faz muito mal!". Veja que tinha até um tempo determinado para ingerir um e outro alimento! Anos e anos acreditando nisso. Por quê? Não faço a menos idéia! Uma vez, sem querer, misturei os dois. Tomei um copo de leite e comi melancia depois. Passei muito mal! Não sei se foi pela mistura ou apenas pela crença do efeito que a mistura causaria.


Até aparecer alguém que, sabendo dessa história, resolveu me provar o contrário. Imagine um belíssimo café da manhã de hotel, com a mesa farta e todas as opções de desjejum que possa lhe ocorrer. Dentre todas essas opções, ele escolheu pegar um copo de leite e duas fatias de melancia. Estava definitivamente determinado a provar que minha teoria estava errada (ou a passar muito mal!). Deliciou-se diante dos meus olhos atônitos com os goles de leite intercalados por saborosas garfadas de melancia. A mim, não restavam dúvidas: "Ele vai passar mal, só pode!"


E passaram-se os minutos e as horas... E todo o processo de digestão dele findou sem nenhum resquício de náusea, enjôo ou qualquer efeito do gênero. Minha teoria caiu por terra: melancia com leite não faz mal. Isso é lenda. Anos e anos evitando misturar os dois elementos, tendo a difícil tarefa de escolher entre um e outro. "Hoje estou com vontade de comer melancia, tenho que abrir mão do leite". Não foi fácil! Leite, iogurte e derivados: todos cortados do meu menu em função da fatal melancia. Ou vice-versa.

Foi com essa incrível descoberta que me dei conta de que não apenas esse tabu foi colocado abaixo por ele. Vários outros também. Especialmente os que dizem respeito a relacionamentos. Os amorosos, mais especificamente. E, como uma fatia de melancia, aprendi que os homens, ao contrário do que dizem por aí, não são todos iguais. Alguns são realmente muito legais com suas mulheres. Legais, fiéis e atenciosos com suas parceiras. E mais: nem todos querem apenas curtir. Alguns de fato buscam uma relação séria. Como quem toma um gole de leite logo em seguida, percebi que filhos não estão apenas nos sonhos das mulheres. Alguns homens também sonham com isso.


Nessa mistura de melancia, leite e novidades da vida privada, estou começando a pensar que são pouquíssimas as coisas que fazem mal. Grande parte delas só faz mal porque a gente acredita que faria. Até alguém mostrar todo o bem que pode vir do simples fato de experimentar. Experimentar sabores. Experimentar amores. Experimentar um amor... Aquele que, entre uma garfada e um gole, você percebe que é o grande amor da sua vida.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

tic tac tic tac tic tac


As pessoas têm mania de estipular tempo para tudo – e acreditam que você deva planejar a sua vida de acordo com o tempo delas. Mesmo os tempos que, a princípio, não havia como mudar, mudam. Não são mais necessários nove meses para uma gestação. Sete já estão de bom tamanho! Antes você precisaria viver sete anos para poder chegar à escola. Agora, seu filho mal chegou ao mundo e já se vê em uma escolinha. Até para preparar um bolo você teria que dispor de pelo menos uma hora e meia. Mas agora, se usar seu microondas, poderá degustar o mesmo bolo em cerca de 15 minutinhos.


E assim é com os relacionamentos. Se você tem 14 ou 15 anos, a parentada pergunta se já não está na hora de namorar. Você namora. Lá pelos 30, pressionam quanto tempo mais você vai esperar para casar. Com 18, está grandinho demais para ainda não estar trabalhando. Por volta dos 50, lhe perguntam quando irá se aposentar.


Se está solteiro, está em tempo de namorar. Se namora, está em tempo de casar. Se casa, está em tempo de ter filhos. Se tem um filho, está em tempo de dar um irmão para ele. Se deu um irmão... Ih! Será que já está em tempo de separar?!


Você resolve ficar um tempo com alguém para só então morar junto. É o tempo certo, não é? Não, não é. Passou tempo demais. Aí você resolve ser rápido, não perder muito tempo. Vão chamar você de inconseqüente. Mal conhece a pessoa!


A questão é que o tempo não é relativo apenas para Einstein. É assim para todo o mundo. Para você, para mim. Quer saber? Não tenho tempo para pensar no tempo ideal dos outros. O meu tempo é agora.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Na minha cama


Eu sou o tipo de mulher que não leva qualquer um para a cama. Não. Tem que ser especial. Eu tenho que gostar do cheiro, das palavras, da estética, do conjunto todo... Tem que me envolver, me conquistar, me manter acordada a noite inteira, caso realmente valha a pena.


Às vezes eu até tento algo diferente antes de dormir. Um nome desconhecido, um clima de suspense. Também não faço discriminação entre velho ou novo. Tanto faz! Mas, para permanecer na minha cama noite após noite, tem que ser bom.


Não sei se eu os escolho, se eles me escolhem ou se é uma atração do destino. Tenho que bater o olho, sentir que vai ser uma experiência boa e me deitar com ele para experimentar.


Já aconteceu de não rolar. Dei várias chances, em noites diferentes, por vezes até durante o dia, e nada de química entre nós! Aí, definitivamente, fica fora dos meus lençóis. Volta para a prateleira. Aquela enorme onde guardo os meus livros.


Porque livro, pra mim, é assim: à noite, antes de dormir, e tem que dar prazer. Afinal, uma leitura que se estenda por várias noites tem que ser, no mínimo, apaixonante.