segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Para quem nasceu primeiro



Hoje é aniversário da minha irmã que gosta de dizer que não é a mais velha... Ela nasceu primeiro!

E hoje, depois de tantas experiências vividas com ela, sem ela, depois dela, entendo por que ela afirma isso. Não é para parecer mais jovem - ela não precisa disso.

É porque, quando ela diz que nasceu primeiro, afirma o óbvio: que ela abriu os caminhos para os irmãos, para mim.

Dos quatro, ela é a exploradora, a desbravadora, a primeira de nós...

A primeira a sair de casa, a primeira a se formar, fazer mestrado, doutorado, pós-doutorado...

A primeira a enfrentar o mundo, a começar pelo nosso pai (!).

A primeira a se separar, a casar de novo, e se permitir sempre se apaixonar, inclusive por ela mesma.

Ela foi na frente na estrada que nos levou à Bahia. Abriu passagem, demarcou território, preparou os lugares, arrumou, plantou boas sementes, deu seu toque acolhedor e, depois, me trouxe pela mão, pelo coração, para eu continuar colhendo o que de bom ela já havia semeado.

Então, ela tomou outro rumo e começou tudo de novo: estrada, territórios, sementes.

Ela chega primeiro. Ela prepara tudo. Ela organiza.

Hoje eu tenho certeza: ela nasceu primeiro para tornar o mundo melhor para mim!

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Homesick

Pode ser apenas uma certa fase de nostalgia, de saudade apertada de tudo que faz parte de mim e que ficou lá no Sul do país, mas hoje me peguei pensando em todas as questões culturais que nunca farão parte do repertório da minha filha do modo como fazem parte do meu...

Percebi que, por mais que ela tenha sua pequena cuia de chimarrão e tome eventualmente comigo, ela mal saberá como realmente funciona uma roda de chimarrão, dificilmente terá a ambição de saber preparar um sozinha e não terá o mesmo vício que eu tenho. Em contrapartida, ela vai se deliciar com água de coco e suco de cajá, vai implorar para eu levá-la para tomar um açaí.

Tampouco ela terá água na boca por um suculento churrasco, preparado pelo avô ou pelo tio, com o chimarrão passando de mão em mão enquanto a carne assa e todos se divertem em volta da churrasqueira. Sei que ela vai adorar - ela já adora - um acarajé bem preparado e o caruru de setembro.

A Festa da Uva vai passar desapercebida pela vida de minha filha. Ela não quererá ser Rainha ou Princesa da Festa (nem poderá), não vai assistir aos desfiles de rua e às olimpíadas do evento, sempre tão engraçadas. Mas vai curtir muito carnaval, como pipoca, camarote, bloco ou em cima do trio!

Ela não vai experienciar a sensação de perceber o inverno chegando, trocar todas as roupas de lugar no guarda-roupas, ir correndo para debaixo das cobertas nos dias mais frios ou querer se jogar para dentro de uma lareira... Ela terá, isso sim, a malandragem da praia, do bronzeado, do mar e de só sentir frio em viagens ocasionais (e achar o máximo!).

Ela não vai se preocupar e se ocupar com a moda do inverno, que deixa as mulheres tão mais elegantes: as botas, os casacos, as mantas e as luvas, mas terá coleções de biquínis, cangas e bonés.

Ela vai entender e respeitar o candomblé, os orixás, mas nunca será devota de Nossa Senhora do Caravaggio, nunca percorrerá, a pé, numa manhã fria de maio, os 22 quilômetros até Farroupilha.

Para ela, 20 de setembro será apenas mais um dia comum no calendário, mas respeitará muito o dia 2 de julho.

Ela desconhecerá a letra e achará engraçada a canção "Quando se pianta la bella polenta...", mas vai cantar aos brados "que o baiano é um povo a mais de mil..."

Dodô, Osmar ou Elomar serão exemplos de músicos e compositores, não Renato Borghetti ou Yamandu Costa.

Macarronada? Tortéi? Pinhão? Não! Peixe, por favor.

Ela nunca vai exclamar "Bah!". Ela vai dizer "Ôxi"! Não chamará a "profe", chamará a "pró".

Não comerá cuca de lanche, mas um pedaço de bolo de aipim.

Vai conhecer as melhores festas juninas, mas mal saberá o que é um "almoço de colônia".

Tantas diferenças, tantos variados costumes. Não é o meu sotaque que ela herdará, não é no solo em que nasci que ela viverá. É no solo que escolhi, com o sotaque cantado dos baianos, o sotaque do pai, que é o meu amor.

No fim das contas, é tudo apenas uma questão de amor, mais uma vez. O amor que me trouxe, que me mantém, que a gerou. O amor por um lugar, por dois lugares, por esse caminho. O amor que encontra espaço para uma, duas culturas... O amor que crescerá nela e lhe dará a chance de ser como bem quiser, com a cultura que quiser ou, na melhor das hipóteses, com a junção das duas.

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Para uma mulher sem filhos



Antes de mais nada, saiba que tudo o que você vai ler não fará muita diferença ou sentido nesse momento de sua vida. Você só realmente entenderá quando e se, porventura, tiver filho(s).
Apesar disso, como mãe de uma menina maravilhosa de dois anos de idade, sinto-me na obrigação de compartilhar algumas vivências, que - lógico - não são exclusividades minhas:

1) O mito do "nunca mais você dormirá do mesmo jeito": totalmente verdade! E nunca significa NUNCA mesmo. Esqueça domingos, feriados, férias, longos sonos da tarde, noites ininterruptas de sono. Esqueça! E não é porque a criança não dorme (a minha dorme a noite todinha desde bebê) - é porque você fica em estado de alerta constante - qualquer barulho, qualquer movimento, qualquer vento, qualquer luz, qualquer sonho, qualquer ausência de barulho ou movimento ou luz... TUDO é motivo para você despertar!

2) Vá ao shopping e ao supermercado e passe longas horas por lá AGORA! Essa é a hora. Depois de ser mãe, seu shopping e seu supermercado nunca mais serão os mesmos. Se você resolve ir com a criança, você também deverá se sujeitar ao tempo da criança, óbvio! Não adianta querer que ela tenha a mesma disposição e paciência que você, do mesmo modo que você não tem a mesma disposição que ela para assistir à Peppa uma tarde toda ou pular na cama-elástica a tarde toda. E se você deixa seu filho com alguém para ir ao shopping/supermercado, seu coração ficará ansioso para retornar passados os primeiros 30 minutos longe. Nunca mais a tranquilidade de outrora...

3) Faça todas as horas-extras no seu trabalho agora! Crie um enorme banco de horas. Depois que você retornar da licença-maternidade, você será rigorosa com seu horário de saída (nem sempre com o de chegada, já vou avisando: imprevistos acontecem muito com crianças!).

4) Por mais que você acredite que sim, você ainda não valoriza o suficiente tudo que sua mãe é para você - mas isso vai mudar a partir do momento em que você se tornar mãe.

5) Faça amor com seu marido em horários inusitados e lugares mais inusitados ainda! Você sentirá falta disso quando vocês só tiverem disponibilidade para o amor quando a criança está dormindo ou quando tem alguém para ficar com ela. Ah! E aproveite bastante antes da gravidez! Com barrigão não é a mesma coisa para nenhum dos dois, viu?

6) Por enquanto, está fácil olhar para os filhos dos outros e julgar vários absurdos - crises de birra, alimentação, amamentar/não amamentar, crianças mimadas... Por mais que você tente evitar, não tem jeito: seu filho ou sua filha, se você escolher ter, vai te colocar em saias-justas e, em alguns momentos, você nem saberá como sair delas. Relaxe quando isso acontecer! As outras mães te compreenderão... Ou não! E tudo bem! Quem sabe de você e de sua cria é você!

7) Leitura: aproveite agora para ler, sério! Depois, seu tempo será escasso e, quando o tempo surgir, a probabilidade de você estar extremamente cansada e cair no sono na segunda página é muito grande!

8) Cansaço e sono: esses são dois conceitos que, até o momento, você desconhece completamente. Todas as vezes que você fala que está muito cansada ou que está com muito sono, as mães ao seu redor pensam: "Bobinha! Não viu nada!".

9) Seu corpo pode voltar a ser o que era antes de uma gravidez, sim - mas dá muito trabalho (durante e depois da gestação). Deixa eu repetir para não restarem dúvidas: DÁ MUITO TRABALHO!

10) A sua habilidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo vai se desenvolver EXPONENCIALMENTE! Ao ponto de você conseguir, por exemplo, estar preparando o café da manhã da família, com um bebê grudado em seu peito e você ainda conseguir usar o banheiro sem parar nenhuma das atividades anteriores (com o celular na mão, claro! Vai que alguma coisa dá errada e você precisa chamar alguém... ).

11) Se antes você achava um saco controlar sua dieta/alimentação, some a isso a preocupação que você terá, diariamente, com cada uma das refeições que uma criança deve fazer, de forma equilibrada e saudável, claro! Isso inclui o famoso supermercado para o qual você não dedicará mais o mesmo tempo, fazer feira toda semana, criar cardápios, adaptar as refeições da família e, como não poderia deixar de faltar, controlar o funcionamento intestinal da criança (Não esqueça do seu!).

12) Falando em funcionamento intestinal: dificilmente essa será uma tarefa individual depois que se tem filho(s). Os filhos podem estar muito bem sem a gente, mas, no momento em que a mãe resolve ir ao banheiro, a criança vai atrás e não se contenta com uma porta fechada! É engraçado, temos que admitir...

Eu poderia continuar a lista por bastante tempo, mas agora é melhor eu ir dormir, pois, como já falei, todos os minutos de sono tornam-se mais valiosos depois da chegada de um bebê.
Eu sei que você, mulher sem filhos, deve ter pensado que exagerei em alguns aspectos, ou que tudo é besteira ou que você conseguirá lidar melhor com tudo isso. Espero que sim, embora ache que não. Mas antes de eu ir para a cama, devo avisá-la de um último e inquestinável aspecto da sua vida sobre o qual você não terá mais nenhum controle e que é, na verdade, o mais insano: o seu coração. Esse nunca mais conseguirá voltar ao tamanho que era - ele ficará maior que você, ficará melhor para o mundo, ficará mais sensível, ficará derretido... Você não saberá o que é sentimento constante de encantamento e de amor até que você se torne mãe.

Boa noite!
 

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Deu saudade



É esse o horário da minha saudade de você: acordo, preparo o meu café, arrumo a mesa e dou início à refeição que você mais gosta.
Fico pensando se você está tomando café na mesma hora que eu. Se estamos tomando café juntas, apesar da distância.
Imagino seu rosto, chegando, todo amassado ainda e com cheirinho de manhã. Os cabelos penteados, na tentativa de que fiquem assim por várias horas do dia. Os óculos, o chambre, os chinelos de ficar em casa.
Horário bom de conversar, de falar um pouco sobre como vai ser o dia, mas, o mais importante: como foi a noite. Com o que você sonhou?
Você tem uns sonhos criativos, cheios de gente famosa, que nunca iremos encontrar. Você conta como quem conta uma história e eu fico curiosa para saber o desfecho. Você sabe bem como contar uma história... Entre um gole de café e uma mordidinha no pão, você fala e ri e traz um pouco mais de água quente para mim.
Eu sinto a sua falta todos os dias, faço contagem regressiva para nos vermos de novo - aí ou aqui.
Mas no café da manhã... O café que você me ensinou a tomar, a refeição que você me ensinou a valorizar... Esse é o momento em que a vida poderia abrir um parênteses e deixar que nós o vivêssemos juntas.