Tenho inúmeras recordações da infância que remetem a essa fruta esquisita, o abacaxi. Todas envolvem minha mãe. Não pense que minha mãe é "um abacaxi", pois essa expressão idiomática não tem nada a ver com ela. A questão é que minha mãe adora abacaxi. Sempre adorou. Pelo menos, desde que eu me entendo por gente.
Desde pequena, eu amava o verão... Família toda viajando para a praia, sem os habituais compromissos de trabalho e escola, apenas curtindo o mar - que sempre morou longe da gente, esse teimoso! - curtindo jogos de cartas noturnos, horários nada rígidos para sono e refeições e, claro, curtindo muito essa fruta típica da estação quente, o abacaxi. Quer dizer, eu não curtia. Não gostava mesmo... Preferia mil vezes a melancia. Mas, fosse na minha própria casa ou no lugar alugado de férias, sempre você encontraria abundância de abacaxi. Por quê? Não porque fosse mais barato ou uma boa decoração de centro de mesa... Não! Tinha muito abacaxi porque é a fruta predileta de minha mãe.
Podia ser no café da manhã, após o almoço, de noite ou no lanche da tarde... Ela se deliciava com o abacaxi e exclamava: "É, sem dúvida, a fruta de que eu mais gosto!".
Eu não entendia. Pensava: "Mãe tem cada gosto estranho..." Eu até tentei "pegar gosto" pelo tal abacaxi. Quando minha mãe dizia: "Este está bem docinho, parece feito de açúcar!", eu tentava experimentar mais uma vez... Mas não tinha jeito: na minha boca, abacaxi era um negócio amargo, ácido, que chegava a dar agonia de comer. Eu tentei. Muitas vezes. Consegui gostar só do suco. E eu ficava até feliz de não gostar, porque aí sobrava mais para ela.
Minha mãe amava e continua amando o abacaxi. "Deve fazer bem pra saúde dela", pensei, e deixei o assunto para lá.
Quando fui morar sozinha e fazia minhas primeiras compras de supermercado, toda orgulhosa, enchia meu pequeno apê das mais variadas frutas: banana, laranja, pêssego, mamão. Outras vezes comprava ameixa, caqui, kiwi, tangerina. Mas abacaxi... Nunca fazia parte da minha lista de compras. E não me fazia falta.
Até que chegou um determinado dia que, no buffet do lugar onde sempre almoço, lá estava ele, o abacaxi: todo cortado em pedacinhos, pronto para servir de sobremesa (light) para quem quisesse. Olhei para aquele abacaxi, ele olhou para mim, rolou um clima e uma vontade danada de ter aquele gostinho na boca de novo. Comi tudo e, acredite, poderia até ter repetido se tivesse mais.
No dia seguinte, lá estava eu, procurando pelo abacaxi... O de ontem estava tão bom! Quero mais!
Dia após dia, eu queria comer abacaxi. Melhor do que querer comer brigadeiro todos os dias, claro! Então, mesmo achando aquela mudança de paladar estranha, dei vazão àquela vontade e passei até a comprar abacaxi para a casa. Já casada, meu marido aprovou o ingresso da fruta à nossa dieta.
Pouco depois de o abacaxi entrar de vez em meu prato e estômago, descobri: estava grávida. Estava explicado! Só podia ser desejo alheio aquela vontade toda por abacaxi. Tive certeza de que minha filha seria a criança mais adepta a comer abacaxi dentre todas as outras!
Fiquei intrigada e contente com o desejo diário por abacaxi. Se deixassem, eu comeria um inteiro todinho e sozinha. Achava delicioso, suculento, saboroso! Por vezes, era a única coisa que eu tinha vontade de comer. Imaginei, porém, que tão logo o bebê saísse de meu ventre, sairia com ele o gosto pela fruta tropical e eu voltaria aos hábitos "frutíferos" de antes da gestação.
Não foi o que aconteceu. Minha filha nasceu, foi crescendo e crescendo... E agora me vejo em uma segunda gestação, e aquele estranho desejo não regrediu, não me abandonou: sempre que possível, opto pelo abacaxi. Não é um desejo de todo dia, mas é bem frequente.
Estava pensando que o abacaxi chegou, quatro anos atrás, em minha vida, e ficou. Ele se apresentou para mim junto com a maternidade: desde então e para sempre.
De repente, entendi o deleite de minha mãe. Compreendi o quanto o amarguinho da fruta pode ser gostoso. Percebi que dentro daquela casca dura, coroada por folhas rígidas com espinhos, tem um apetitoso prazer que vale a pena. Por fim, dei-me conta de outros significados do abacaxi para mim... Não foi por acaso que essa vontade só apareceu quando engravidei. O abacaxi foi minha primeira representação da maternidade: experiência que tem acidez associada a sabores insubstituíveis. Casca grossa e conteúdo inegavelmente prazeroso e único. Um amargo deleite. Doce aroma tropical, mesmo que você esteja "debaixo de mau tempo". Uma experiência para ser compartilhada (um abacaxi, assim como a responsabilidade da maternidade, é muito grande para uma pessoa só, mas é do tamanho ideal para um casal).
Hoje, vejo-me como via minha mãe, aquela de gosto peculiar. Vejo-me cúmplice dela, degustando juntas um abacaxi docinho do verão. Ela não tinha necessidade de que eu me servisse e gostasse da fruta dela. Talvez fosse uma coisa de mãe e ela já soubesse: o abacaxi e a maternidade viriam no tempo certo. Posso, agora, afirmar - sobre a fruta e a metáfora que ela representa para mim: "É, sem dúvida, do que eu mais gosto!"