quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Cheirinho de amor



Quando ela o conhecera, a vida ainda não tinha perfume. Havia o calor das pessoas, havia a beleza das flores, havia o sabor dos alimentos, mas nada disso tinha aroma peculiar a ela. Olfato mesmo ela só se deu conta de que tinha quando sentiu o perfume dele. Seu hálito, sua pele, seu beijo... tudo cheirava bem.

Era cheirinho de amor.

Levada por ele, deu-lhe a mão esquerda. E mais. Tornara-se a mulher do homem mais perfumado que ela já conhecera. Perceba: não era perfume comprado, preparado, de boticários. Não havia igual. Era pura e simplesmente o perfume dele, daquele homem a quem ela se entregava todas as noites, durante todos os aromáticos anos de matrimônio.

Disso, outros cheiros vieram. Cheiros de Natal, de praia, de banhos de chuva, de bebê menina e bebê menino, de fraldas e mamadeiras. Cheiro de roupa limpa e roupa suja – “que se lava em casa”. Cheiro de lágrimas, de risos, de aniversários, de jantares, de amigos, de passeios, de presentes. Mas era com o cheiro daquele homem que ela sempre pegava no sono.

Até o dia em que, àquele cheiro tão familiar, misturou-se outro, estranho, doce demais. Era, sem dúvidas, o perfume de uma mulher que não era ela. Perfume que invadiu sua cama, sua paz, sua vida. Não cabia desvendar quem seria a dona do ofensivo aroma. Não havia espaço para tal perfume naquela casa.

Ele se foi. Perdeu-se nos caminhos que nunca mais o levaram de volta. Conheceu outros cheiros, outros gostos, outros corpos. Continuou com a sensação de quem viaja, embora soubesse que já não tinha mais um lar para o qual retornar.

Ela se manteve no papel da mulher que construíra ao longo dos anos. Ser mãe quase lhe bastava. Quase. Chegava a noite e ela sabia que sentiria falta daquele cheiro... Adormecia com o medo de voltar à fase de não reconhecer os aromas, de perder o olfato para o desgosto que ele lhe causara.

Então, em um amanhecer, ela despertou com aquele perfume. Não havia possibilidade de engano. Conhecia o cheiro. Era ele. Num sobressalto, procurou o aroma pelo quarto, pela sala, pela cozinha, pela casa toda. Nem sinal dele.

Houve outros momentos em que ela voltava a sentir o mesmo conhecido perfume. Parecia lhe perseguir. “Deve ser memória olfativa”, pensava. Procurava não pensar muito no assunto, mas continuava dormindo sempre no conforto daquele cheiro. Cheiro que lhe cercava, cheiro que lhe despertava, cheiro que lhe fazia bem...

Foi então que percebera.
O cheiro nunca fora dele.
O cheiro era dela. Emanava dela. Perfume natural que ela tinha.

Era sim o cheirinho de amor... Amor – agora entendia! – que sempre fora maior por ela própria.

6 comentários:

Marcelo Mayer disse...

m deu uma vontade de ouvir "para viver um grande amor" de vinicius e toquinho

Rita Mangabeira disse...

Coisa mais linda do mundo!!!!! Como tudo que você escreve é muito lindo!!!!

Ana disse...

Demorou ...mas valeu a pena!!!
Lindooooooo!!!!
Bjbjbj.

MÃE disse...

COISA BOA VOLTAR A LER TEUS TEXTOS , E PRINCIPALMENTE SER BRINDADA COM ESTE MARAVILHOSO DESFILE DE SENTIMENTOS TÃO MARAVILHOSAMENTE DESCRITOS !
ADOREI !!!!!!!
SABIA QUE DEPOIS DE TANTO TEMPO AUSENTE , VIRIA ALGO EXCELENTE !
BJS

Clarissa disse...

Até que em fim o intervalo acabou! Valeu a pena esse tempo de espera. adorei! Bom retorno e nunca mais nos deixa tanto tempo sem teus textos. bjos

Priscila disse...

Bianca, que texto lindo!!!! Parabéns! Bjs!!!