Conheço um cara, que já me foi muito próximo, rosto e corpo de garoto, mas deve estar tão perto dos quarenta quanto eu dos trinta. Atualmente, creio que nos falamos cerca de três ou quatro vezes por ano. Não nos gostamos menos que no passado, apenas nos distanciamos pelos próprios rumos que escolhemos ou nos impuseram.
Tendo mudado o número do meu telefone celular muito recentemente, e querendo notícias dele, telefonei. Não precisei buscar o número em qualquer agenda telefônica, fosse ela de papel ou digital. Eu ainda o tenho em minha lembrança. Tantas coisas já aconteceram em nossas vidas nos últimos quatro ou cinco anos, tempo contado desde que entramos nesse processo de afastamento, ele sorri e pergunta: “Mudou o número de novo, guria?”. Mudei. E esse, aliás, é um dos motivos pelos quais nos falamos durante o ano.
Aí lembrei que o número dele permanece o mesmo desde a primeira compra de aparelho celular. Fazendo as contas, embora minha matemática não seja muito evoluída, isso já deve ter uns bons dez anos. O aparelho já mudou, mas o número continua. De repente, me dei conta do quanto manter – ou não – o número de celular diz de alguém.
Está cada vez mais facilitada e frequente a migração de uma operadora para outra. Aparece uma promoção melhor, um plano mais vantajoso e lá vamos nós, com aparelho celular em mãos, tentar gastar menos e ter melhor qualidade com outra empresa. Tudo bem que hoje é possível manter o número, apesar da mudança de operadora, mas isso é recente. Além do mais, há outros motivos para que os números sejam alterados: muda-se de cidade, de Estado, de parcerias.
Quando esse meu amigo comprou seu aparelho – e seu número – foi em conjunto com sua então namorada. Os números combinavam, como os olhares entre os dois. Mudava apenas um dígito. Os amigos que soubessem o número de um, automaticamente saberiam o número do outro. Os aparelhos eram iguais e eles podiam se ligar gratuitamente, conforme a promoção vigente no período da compra. Mais uma demonstração do quanto queriam estar juntos, do quanto estavam conectados. Tanto, que logo veio o noivado e o casamento. Eram o primeiro amor um do outro. O tipo de primeiro amor que estava dando certo.
Mas algo começou a mudar. A vidinha que ambos haviam sonhado e estavam vivendo já não bastava a ela. Sentindo-se cada vez mais desconfortável e com ânsia de mudar, mudou. De estado civil e de número de telefone. Logo ela já estava em outra operadora, com novo número de celular e novo amor.
Ele não. Ele não aceitava. Ele resistiu. Ele não queria mudar. Ele não sabia mudar. Ficou ímpar, ele e seu celular, na expectativa de voltarem a formar aquele casal, ele com ela, números querendo ser par. Ela nunca mais voltou. Nem seu número. Com o tempo, ele até acabou gostando de uma outra pessoa também e desistiu de resgatar o casamento que ele mal vira se perder. Mas o número... Esse nunca conseguiu mudar. No fundo, ele ainda tem esperança naquela antiga combinação.