A bolsinha de pano ficou em cima da mesa e logo foi aberta, provando não ser o comum objeto feminino que guarda, além da carteira e do batom, tantos outros segredos. Aquela bolsinha de pano era a proteção de um grosso livro de finas folhas. Uma bíblia, a quem olhava distraidamente. Cheia de marcações, clipes, marcadores de página improvisados, observações escritas a lápis nas bordas. Até ela começar a ler alguns trechos e seus ouvintes entenderem que o livro tão bem protegido e tão amplamente lido não se tratava da bíblia, mas de Obras Completas de Carlos Drummond de Andrade.

Mas como se fora uma religiosa, ela sabia vários trechos de cor, by heart. E os dizia como quem lê profecias, a ensinar por metáforas. Sabia exatamente onde encontrar os versos que lhe traduziam. Sua doutrina é drummondiana. As fases do poeta são as divisões de um suposto velho e novo testamento. Farewell é seu apocalipse. Sua fé é toda naquela poesia.
Gauche, José, Carlos, e não Davi, Pedro, Judas. “As sem-razões do amor”, e não “Cântico dos Cânticos”. “Alguma poesia”, e não “Gênesis”. Ela não duvida de Deus, não desmente a bíblia. Mas, para ela, é em Drummond que ‘a poesia (inexplicável) da vida’ se revela.