sexta-feira, 8 de maio de 2009

"Toda mulher já nasce mãe"


Dia desses, saindo da Universidade, me deparei com um outdoor cuja nova campanha publicitária fora criada especialmente para a data que se aproxima: o Dia das Mães. Até aí, nada de novo. O negócio é que a campanha trazia uma menininha segurando carinhosamente uma boneca e, ao lado, a seguinte frase: “Toda mulher já nasce mãe”. Foi nessa frase que o meu olhar parou. A colega ao meu lado não gostou de colocarem uma menina negra segurando uma bonequinha branca de olhos azuis, mas aí é tema para outras divagações. Meu foco, por ora, fica naquela frase...

Entendo que o laboratório ao qual a propaganda se refere tenha tido a intenção de destacar o tipo de cuidado que as mulheres têm com os outros, que é teoricamente diferenciado do cuidado que os homens têm. Mas a afirmação “Toda mulher já nasce mãe” foi um tanto quanto infeliz. Será que em agosto eles farão algo do tipo “Todo homem já nasce pai”?

Tomo a liberdade de seguir esse raciocínio, uma vez que fica subentendido que a mulher, pelo simples fato de ser mulher, será mãe. Para mim, isso apenas demonstra o conceito social ainda tão vigente de que as mulheres só se tornam mulheres realmente completas quando se tornam mães. Não importa se é uma batalhadora, bem sucedida, inteligente, bem resolvida emocionalmente ou qualquer outra coisa. É preciso ser mãe.

E se ela não quiser? Vai ser menos mulher porque não quer ser mãe? Já conheci casais que tomaram a decisão de não ter filhos. Conheço mulheres que estão muito bem decididas a nunca se tornarem mães. Mas quando elas expressam tal decisão, sempre rolam comentários como: “É mesmo? Mas por quê?”. Ninguém pergunta para uma mulher grávida: “Você decidiu ficar grávida por quê?”. A subversão é a mulher optar por não colocar mais uma criança no mundo. Há quem pense que ela deva ter algum problema ou que seja uma insensível. Ser uma opção de vida ainda é muito duro de ser aceito como “normal”.

Aí tem também a questão do romantizado instinto materno. A menininha brinca de boneca e já se vê ali o famoso instinto materno. Nem passa pela cabeça das pessoas que ela possa simplesmente estar refletindo suas próprias relações familiares na brincadeira... Mas bem, depois de ter escrito uma dissertação em que trato disso, eu garanto: instinto materno não é inato, é desenvolvido. É fato que as mães fazem coisas incríveis pelos filhos, coisas que muitos pais não fariam. Em geral, as mulheres são de fato a figura mais cuidadora perante os filhos, mas isso não é regra. Tanto não é, que a gente vê nos jornais e na TV incontáveis casos de mães que mais parecem ter raiva pelos filhos que amor. Mães que matam, mães que jogam o bebê no lixo, mães que espancam, que maltratam. Tem de tudo nesse mundo: mães e pais odiosos, e mães e pais exemplares.

Assim como existem homens que optam por não ter filhos (e isso não é tão largamente questionado), há mulheres que tomam essa mesma decisão. Isso não é defeito. É atitude. Atitude, aliás, que é tomada de maneira tão responsável quanto deve ser a de ter filhos. A escolha faz toda a diferença e valoriza ainda mais as mães, mulheres que tiveram a coragem de gerar vida. Mesmo que a gravidez tenha sido acidental, a gente sabe que há escolha. Portanto, fica registrado meu desacordo com a tal campanha do outdoor. As mulheres não nascem mães, mas poderão tornar-se. Se quiserem.

9 comentários:

Escritos Greice disse...

Isso aí!!! ;)

J. Maldonado disse...

Subscrevo integralmente o teor do teu post. :)
De facto, apesar de tanto progresso científico e económico, ainda prevalecem na sociedade os velhos arquétipos patriarcais que menosprezam a mulher.
Quando uma mulher decide não ter filhos, dizem logo que é egoísta, mas quando é o homem a tomar essa decisão, consideram-no logo independente. Dois pesos duas medidas...
Como vês, as mentalidades não mudam facilmente...

Emmanuel Mirdad disse...

O personagem é fantástico, é a única coisa que presta no filme e a HQ é muito interessante. Ilustra bem uma fase que passo, estraçalhando por demais as comportas que me sustentam há tempos.

Obrigado pela passagem, é sempre bem vinda.

Daqui, concordo inteiramente contigo. Acho que vai demorar muito pra nos livrarmos dessa tal "declarada inerência biológica". Isso, no fundo, talvez seja uma sugestão do governo, que precisa de gente pra sustentar o sistema.

Concha disse...

Ridiculo,simplesmente retrógado.
E os homens nascem como?
Já nascem pais?

Ruth disse...

Em qualquer painel que lemos deve ficar claro a opção e a imposição, pq temos o direito as "escolhas", sejam elas arbitrárias, fanáticas ou emocionais.Concordo, contigo de A até Vênus, pq os homens são de Marte.

Zanom. disse...

Concordo com tudo com seu texto. Com todo o lado feminista e tals.

Só me questiono sobre o inatismo, sobre outra perspectiva.

Nunca foi inato ser mãe. O que foi inato é a perpetuação da espécie, que nada tem a ver com toda parafernália que é ser mãe.

Pra mim, tanto pro homem quanto pra mulher, existe algo relacionado a perpetuação da espécie, que existe em qualquer animal que vive nesta terra.

Como o homem se separa cada vez mais dos seus instintos biológicos, isto vem mudando, ou já mudou. Mas o caminho é que estamos deixando algo que sempre foi inato.

E isto já foi feito com todos os instintos "naturais". Por mais que eles persistam, como o sexo, ou o instinto de sobrevivência, foram todos parcialmente modificados, ou totalmente anulados.

Bjus ! Obrigado por aparecer na defesa !

João Vitor Fernandes disse...

Concordo com que dises, pensamento muito retrégado, mais venho aqui em defesa de um outro ponto de vista. o de que a mulher tem sim um instinto materno e não so dos própios filhos mais também dos amigos, irmãos e etc.
A mulher mais que o homem tem um insitinto protetor, elas se preocupam mais com seus amigos, conhecidos, familiares. Acredito que a intenção do outdoor não foi passar essa mensagem, mais prefiro interpretar assim, fica mais real pelo menos.

abraços!!!

Mariana disse...

Bianca, nunca comentei aqui (apesar de ler de vez em quando, via Marcus), mas vi essa propaganda em SSA e tive praticamente a mesma sensação que vc. A maternidade não é inata, e a mulher não se realiza como mulher apenas na maternidade - até porque, além de algumas não quererem filhos, outras não podem tê-los, e isso não faz delas menos mulheres.
Jogar com essa questão para vender coisas (mesmo que sejam exames de laboratório) é até cruel.
Acho que é por isso que essa indústria dos tratamentos para engravidar viceja.
Surpreende que, depois de tantos avanços culturais nas questões de gênero, esses clichês continuem a ser reproduzidos.
Parabéns pelo blog!

Só para raros disse...

Sim, pode-se dizer que a noção da mulher-mãe seja imposta... E que as pessoas, principalmente de gerações mais antigas, esperem a gravidez de suas filhas, netas, conhecidas, como consequência natural de um casamento, por exemplo, ou, ainda pior, como consequência de uma idade...

Mas a propagadanda não dita regras sociais. Pelo contrário, a sua criação se apropria de costumes, hábitos, culturas, expressões culturais e etc.
Esta de que você fala foi baseada na observação de que as meninas brincam de bonecas como se fossem suas filhas. Isso é um fato. E esse fato foi ardilosamente transformado em uma regra maternal. Mas garanto que isso aconteceu para vender o produto, e não para reforçar conceitos sociais. Afinal, nenhum cliente pagaria uma nota para injetar noções na sociedade...

Dito isso, também digo que entendo que você utilizou a propaganda em questão para introduzir um assunto sobre o qual você provavelmente já havia pensado. E, sobre ele especificamente, quero fazer uma pergunta: será que essa expectativa de gravidez não está diminuindo?
Um fator que determina o modo de vida e a idéia de que se faz dele é a economia. Antigamente, quem tivesse um curso de datilografia era considerado doutor. Exagero de lado, quero dizer que a concorrência era pouca e a expecativa do mercado acerca do trabalhador era menor: isso significa que era mais fácil conseguir empregos estáveis, que possibilitavam o sustento de famílias. Casava-se aos 19/20 e engravidava-se logo em seguida.

Hoje em dia isso é praticamente impossível. Empregos bons são raros, diplomas não têm valor de mercado e, ainda, o 30 é o novo 17: as pessoas querem "curtir" a liberdade e liberalidade.

Fora isso, se você pensar no significado que a palavra aborto tinha há algumas décadas e o tem hoje, vai ver que ela já ultrapassou o "aceitável". E isso quer dizer que paradigmas mudaram.

Acho que "pressão que a mulher sofre porque a sociedade a quer grávida" está dando lugar a uma noção mais realista da sociedade contemporânea.

As pessoas que sustentam idéias do passado são de outras gerações. Mas creio que mesmo elas apreendem essas mudanças. Pelo que eu vejo e ouço, acredito que o grosso da socidade tem repetido que "é loucura ter um filho nos dias de hoje"!

O que, na minha opinião, enfraquece a visão um tanto feminista de que ninguém espera o homem seja pai e o fardo só recaia sobre a mulher...