sexta-feira, 17 de abril de 2009

A grande "sacada" de Eça



Fazem parte do inconsciente popular histórias contadas há séculos, como a da Odisseia de Ulisses, ricamente contada por um famoso Homero, ou o que quer que se entenda por Homero. Os 24 cantos da Odisseia narram várias aventuras, falam de inúmeros deuses e outros personagens que são fonte de inspiração de ficcionistas até hoje. Quem já não ouviu falar da fiel Penélope, que esperou por mais de vinte anos o regresso de seu marido Ulisses, que tecia de dia e destecia à noite um manto, protelando a pressa de seus pretendentes?

Pois bem. Penélope foi realmente admirável por tanta perseverança e astúcia. Passou pelo olhar atento e disfarçado do marido, que a observava sem se revelar, testando a fidelidade da esposa. Acontece que antes disso, muitos anos antes, contou Homero que Ulisses, indo e vindo pelo mundo, acabou na Ilha de Ogígia, onde foi amorosamente acolhido pela deusa Calipso. Por oito anos, Ulisses ficou por lá, usufruindo de todo o conforto que a linda deusa lhe proporcionava, com as melhores ceias, as melhores roupas, os melhores vinhos e intermináveis noites de amor. Deuses são imortais. Ulisses poderia ter tido aquela boa vida para sempre. Mas ele não quis. Escolheu voltar para os braços de Penélope.

Pensando nisso, Eça de Queiroz inteligentemente escreveu o conto “Perfeição”, tratando justamente dos motivos que levaram nosso heroi homérico a escolher pela mortal Penélope. Ulisses tinha tudo o que se pode imaginar em Ogígia. Era paparicado por uma deusa linda e loura. Era banhado por ninfas diariamente. Não precisava se preocupar em prover os mantimentos do casal porque a deusa, naturalmente, estendia sua magia à ilha, na qual nada do bom e do melhor faltava.

Eça, escritor português do século XIX, era, antes de tudo, um homem, e compreendeu Ulisses. Na versão dele sobre essa história, o que incomodou o “Príncipe dos Povos” foi exatamente toda essa perfeição da deusa e de tudo o que a cercava. Ele queria “uma humana Penélope que eu mande, e console, e repreenda, e acuse, e contrarie, e ensine, e humilhe, e deslumbre, e por isso ame de um amor que constantemente se alimenta destes modos ondeantes, como o lume se nutre de ventos contrários!” (QUEIROZ, Eça. Obra Completa. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1997, p. 1595).

Eu já desconfiava e o Eça veio apenas para confirmar. Homem algum está interessado na perfeição feminina. Eles não querem a sempre linda, a sempre certa, a sempre sábia. A mulher não precisa ser a melhor na cama, na cozinha, no lar e no trabalho. Eles anseiam pelas imperfeições, pelas falhas. É um modo de sentirem-se melhores, de afirmarem-se homens. De ser, de alguma maneira, a sombra de Ulisses. Porque, pensando bem, todo homem desejaria estar com uma deusa. Mas deseja, de todo o coração, que sua mulher seja uma Penélope.

3 comentários:

GEPES/UFBA disse...

Bi, (deusa)Penélope ou (Penélope)deusa??? Gostei de verdade e o pior, é que dá uma vontade de contibuar, e continuar... Bjos

Bee disse...

Sim, Mana... Tem muito ainda a ser dito sobre isso. Mas também... não faltam deuses no Olimpo para nos inspirar, não é verdade? Beijos!

Anônimo disse...

consciente popular ou coletivo.