Em outro tempo, nossa conversa era sobre quem apagaria a luz do abajour à noite, ou quem teria a casa de Barbie maior. Você era o banco da nossa cidade inventada e eu era a dona de casa, a mamãe. Você brigava comigo porque eu não matinha a minha parte do quarto arrumada. Sim, nós dividíamos o quarto e os sonhos.
Hoje continuamos dividindo o quarto, mas com outras pessoas: nossos maridos. Nossas conversas giram em torno dessa vida de adulto que nos foi imposta – por nós mesmas. O trabalho que se quer ou que se tem, a preocupação com as crianças que educaremos, as questões difíceis de ser mulher, esposa, profissional, amiga, mãe.
Em outro tempo, éramos filhas. Apenas filhas. E irmãs. A preocupação era quem dormiria com a mãe primeiro, quando o pai viajava. Era manter as amizades separadas: minhas amigas são minhas e suas amigas são suas, não vamos dividir amizades, já que dividimos todo o resto. Dividimos o espaço, a escola, os doces da Páscoa, as roupas, os brinquedos, os mesmos pais e mesmos irmãos.
Em outro tempo, nossas brigas eram tão frequentes, que não víamos a hora de separar: divorciar os pertences, o quarto, o que é meu e o que é seu. Quando você vai ser grande o suficiente para sair de casa??
Até que você saiu da casa dos pais. Eu também saí. Casas diferentes, escolhas diferentes, cidades diferentes, rumos diferentes. As conversas são virtuais ou por telefone. Quando te ouço, ainda é pensando naquela tua carinha de menina com os olhos mais interrogativos que já vi na minha vida toda. E aí... Ouço também o choro da tua filha, o que me faz lembrar que aquele outro tempo passou. Rápido. Que não estamos mais brincando de boneca. Que é uma criança de verdade que você tem nos braços. São responsabilidades de verdade, não mais as inventadas.
Passou o tempo em que dividíamos as funções da nossa cidade. Ambas, agora, somos as mãezinhas e o banco, e temos que criar dinheiro (não vale mais escrever um número no papel...). Hoje, fazemos comidinhas de verdade e nossas casinhas não cabem mais na sala da casa da mãe, nem no pátio da casa da avó.
Aquele outro tempo era bom, não era? Mesmo com as brigas, ou mesmo tendo que limpar o banheiro enquanto você passava o aspirador de pó na sala.
O tempo de agora também é bom, não é? Com os amores de nossas vidas e tudo o mais que construímos e conquistamos. E nossos encontros sempre tão gostosos!
Os três anos que nos separavam enormemente naquele tempo não fazem a menor diferença atualmente. Agora, eu também posso ser sua irmã mais velha e te dar conselhos ou broncas. Ou posso te dar dicas de gramática para compensar todas as aulinhas que você me dava quando eu nem sabia ler.
Mas de noite, antes de dormir, quando apago a luz, procuro do outro lado do criado-mudo o lugar onde estaria a tua cama. E, silenciosamente, ainda te desejo boa-noite.