segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Em mundos diferentes


Ela estava sempre muito bem acompanhada: Gucci, Louis Vuitton, Manolo Blahnik, Chanel. Ela não andava, desfilava nas ruas. Era como artista de novela e acordava já maquiada. Falava um pouco de francês, sabia um pouco de Milão, sonhava com muito de Nova York.

Ele estava sempre muito bem acompanhado: Dante, Borges, Machado, Shakespeare. Não andava pelas ruas, mas pelas páginas que lia. Sonhava com Beatriz, Capitu, Laura, Bovary. Estudou francês, italiano, inglês e espanhol.

Encontraram-se em uma livraria-café. Ele buscava por Sartre. Ela, por um presente para a mãe. Ele recomendou Drummond. Ela comprou dois e ficou para um café com ele. O dela, descafeinado. O dele, com leite. Ela pensou que um banho de loja faria bem a ele. Gostou do desafio. Ele pensou que umas boas dicas de leitura fariam bem a ela. E gostou do desafio.

Faziam trocas. Espiavam o universo um do outro. Ele mostrou sua coleção de LPs. Ela mostrou sua coleção de sapatos. Estavam aprendendo um com o outro. Até que, entre frases de Boccaccio e batons da Lancôme, os gostos se uniram. Ele deixou a timidez de lado e ela desfez o penteado.

O beijo apagou as diferenças. As mãos trêmulas dele percorrendo o corpo dela, despindo-a de todas as grifes. A língua dela alisando os dentes dele, deixando-o sem palavras. No amor, não há espaço para a moda. Tampouco para a literatura. No amor, só há espaço para as almas. E as almas dos dois se amaram.

Em meio aos abraços e sorrisos, era hora de partir. Ele ia para um sarau literário. Ela ia para o shopping. Ela fazia escova no cabelo enquanto ele se vestia. Ele saiu primeiro, deixou um recado de amor para ela. Ela viu o recado, ao lado do casaco que ele esquecera. Não conseguiu ler. Não tirava os olhos do casaco. De péssimo gosto.

Ela sabia que era o casaco preferido dele. Mas nada ajudava: a cor, o corte, o tecido. Tudo ruim. Que tipo de pessoa compraria um casaco assim? Nunca, em uma noite fria, ele poderia cobri-la com aquilo. Percebeu que nenhuma poesia tornaria o casaco melhor. Ou o dono do casaco.

Foi ao encontro dele. Precisava falar. Ela chegou em meio à leitura dele. Interpretava James Joyce. Ele a viu: loira, maquiada, com uma bolsa roxa pendurada no ombro e o casaco dele no outro braço. Lia um trecho de Ulisses e pensava que aquela mulher nunca se interessaria por Bloom, nem por Bentinho, tampouco por Pedro Missioneiro. E eles queriam olhos interessados. Queriam a leitura atenta e preliminares feitas de palavras.

Todos partiram e eles ficaram. Não precisaram explicar. Ele pegou o casaco. Ela olhou para o enorme livro que ele tinha em mãos. Ele soube que o conteúdo dela era outro. Ela seguiu seu caminho para o shopping. Ele foi assistir Lars von Trier. Não adiantava. Os opostos só se atraem de verdade no mundo Físico.

4 comentários:

Anônimo disse...

Putz............ posso dizer um palavrão??? Sim, um palavrão para elogiar este conto!!!! Vou dizer... Putaqueoapariu! gostei pra... caramba do teu conto, guria!!!! Muito legal!!!! Aliás, teu livro será o que? Romance? Conto? Poesia?

beijos

SOPAPO disse...

Conheces "Eduardo e Mônica" do Legião? As vezes até que dá pra unir diferenças.Tu escreves muito bem. Quando a leitura prende a gente é algema da boa. Obrigado pela visita e um abração.

Concha disse...

Simplesmente genial.
Fico sempre com vontade de ler mais...,já estou aguardando o próximo post.

Bjs

Zanom. disse...

Cada vez melhor, dona Bianca... Tenho cá minhas dúvidas sobre isso aí, e rende uma polêmica!!!

O bom mesmo é quando o outro gosta de um desconhecido que te falta. Eu mesmo virei fã da "cantoria" baiana por meio de um relacionamento. Deste não resta nem sombra, já o Elomar ,Geraldinho, Xangai e companhia... Estão todos aqui!!!